terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

OS JORNAIS DE PAPEL E OS DA INTERNET

Volta a anunciar-se o fim “inevitável” do jornal, da revista e do livro “tipografados”, com o mesmo receio que alguns manifestaram quando o noticiário quotidiano chegou às emissoras de rádio e depois às de televisão. Já se dissera quase o mesmo na época em que apareceram os “jornais” cinematográficos de actualidades. Entretanto, chegou a vez das notícias que chegam instantaneamente, de toda a parte, por obra e graça da Internet.
Acabaram os jornais, revistas e livros inventados por Gutenberg? Diminuiu o número de leitores? Os jovens querem “ver” e “ouvir”, fugindo da leitura - profetizam os agoureiros, esquecidos de que o Mundo de hoje é muito diferente do período das cavernas e das descobertas portuguesas que revelaram novos mundos! Nem da corrida espacial que levou o homem à Lua se fala mais, porque os cientistas do passado sonho “vêem” os astros cada vez mais facilmente!

Entretanto, descemos à Terra, de onde nos dispersámos por cavernas, navegámos pelos rios, lagos e mares, tipografámos, voámos! O novo tempo é da comu- nicação pela Internet mas os antigos meios apenas evoluíram, com outros costumes, projectos e obras. Como envelheceu o 1984 de George Well! Em resumo, os futurólogos ficaram desempregados porque o Mundo continua vivo, por mais que nos deslumbrem os ‘sites” e “blogs”.

Temos de reconhecer que o século XX trouxe revoluções mais duradouras que a de Marx, derrubada com o Muro de Berlim. É certo que a transmissão internetiana oferece-nos a ilusão de que podemos estar em toda a parte ao mesmo tempo. Talvez seja ledo engano, como outrora se antigamente, mas diríamos que alcançamos quase a era da omnipresença, pois afirmá-lo seria quase um ateísmo, no tempo das nossas avós. Contudo, a realidade já está para além da imaginação.

Hoje, não temos mais dúvidas de que milhares de pessoas nos podem ler assim que acabamos de escrever as nossas mal desalinhavadas cartas. E esta certeza chega-nos pelo “site” e “blogs” que somente balbuciamos – e propõem-nos diálogos e intercâmbios que seriam impossíveis nos tempos gutemberguianos! Que diria Camões de tudo isto, se vivo fosse? Quantos heterônimos pessoanos criaria o nosso maior poeta do século XX se Deus não o tivesse chamado quando ele contava somente 47 anos?

Não podemos deixar de agradecer aos descobridores da Internet quando mil e um desconhecidos nos contactam para nos adiantar um esclarecimento acerca do texto sobre isto e aquilo. Este diálogo à distância com alguém desconhecido é reconfortante e compensador das ilusões desfeitas. Quando temos a satisfação de prestar qualquer serviço à Comunidade, por menor que seja, podemos admitir que “tudo vale a pena / se a alma não é pequena” - ensinou o Poeta. E este sentimento temo-lo vivido sempre que um entre possíveis milhares de pessoas que podem acompanhar-nos pela Internet nos escreve e solicita a nossa cooperação. Sabemos que isso também pode acontecer se nos lerem na Imprensa ou no Livro, mas parece que o internauta está mais inclinado à conversa do que o leitor comum. Se não houvesse outras razões, esta intenção já seria merecedora da expontaneidade que cada vez mais nos anima por intermédio do site ou do blog – reconhecimento que muito nos sensibiliza e faz insistir no diálogo aberto e franco que a Internet nos garante, porque aturar os impertinentes de múltipla espécie é perder tempo. Resta-nos a consoladora promessa dos profetas contemporâneos – os jornais, as revistas e os livros não vão, desaparecer!

sábado, 21 de fevereiro de 2009

UM DICIONÁRIO ESCOLAR COM A NOVA ORTOGRAFIA


A Academia Brasileira de Letras acaba de publicar o seu Dicionário Escolar da Língua Portuguesa (1), que interessa não somente aos estudantes, mas a todos os leitores, com relevo para os professores, pois, além de trazer o acordo ortográfico que começou a ser utilizado pelos principais órgãos da imprensa, traz milhares de palavras.

É o primeiro êxito dos que definiram os princípios da nova ortografia, cujas bases começaram a ser discutidas há cerca de 20 anos pelos lingüistas portugueses, brasileiros, caboverdeanos, sãotomenses, angolanos e moçambicanos (o da Guiné-Bissau não pôde comparecer e o nosso Timor ainda sofria sobe a ditadura indonésia). As reuniões tiveram lugar no Rio de Janeiro e a imprensa portuguesa teria primado pela ausência se não assistisse o então correspondente no Brasil da Agência “Notícias de Portugal” e da RDP.

Não obstante, participaram dos estudos 5 especialistas portugueses, quase todos (se bem nos lembramos) da Academia das Ciências de Lisboa, que há muitos anos trata das questões idiomáticas em nome de Portugal, cabendo a outra representação à Academia Brasileira de Letras. Mas o caminho foi demorado até se chegar à renovação ortográfica, desde o dia 1º. de Janeiro de 2009.

O novo dicionário escolar foi editado sob a responsabilidade da ABL e aceita, é claro, as normas do acordo ortográfico oficial dos 8 países de Língua Portuguesa. Não é tão breve como sugere o título – soma 1312 páginas, explicando-se que os verbetes são antecedidos de informações necessárias – após os nomes dos directores da Academia Brasileira de Letras em 2008, assinalam-se: Prefácio, Sumário, História da ABL, História (breve) da Língua Portuguesa, “Formação do Léxico Português” e “Unificação Ortográfica”, antes da reprodução do acordo sobre “A Nova Ortografia da Língua Portuguesa” e de “O Verbo em Português”, além das instruções que facilitam o uso do Dicionário e a compreensão das abreviações.

Os verbetes da letra A só aparecem na página 83, mas é evidente que a obra não inclui todas as palavras do vocabulário. Manifestam os organizadores deste Dicionário Escolar da Língua Portuguesa para o Brasil a esperança de que o Acordo de Unificação da Ortografia dos 8 países de idioma comum “seja de fato concretizado”. E que em Portugal e nos outros 6 países dicionários semelhantes sejam elaborados “de facto...”

Que haja diferenças na pronúncia de cada um dos territórios dos 8 não terá nenhuma importância, porque todos poderão entender-se – e eis o essencial: Camões escreveu de um modo diferente do actual, mas sempre o compreenderão os que falam o idioma português, seja qual for o Continente onde viverem. Mas se as palavras forem unificadas, ortograficamente, mais depressa as utilizaremos. Por isso é que os versos de Os Lusíadas serão eternos.

Os responsáveis pelo novo dicionário recordam que as reformas ortográficas anteriores dos dois países não foram bem sucedidas, mas esperam que a unificação ortográfica possa contribuir agora para melhorar o ensino e se tornem “fator de difusão da cultura dos países que têm como oficial o nosso idioma.”

(1) O lançamento do volume é da Companhia Editora Nacional, São Paulo, 2008.

sábado, 14 de fevereiro de 2009

TEMPO DE BLOGS

AÇÃO CULTURAL
Depois do Colóquio realizado no Memorial da América Latina, em São Paulo, (Abril de 2008), sob a coordenação do Centro de Estudos Fernando Pessoa, e que culminou com o Congresso Internacional do IV Centenário do Padre-escritor António Vieira (Novembro, em Lisboa), as manifestações vieirinas prosseguem em Portugal e no Brasil.
Entretanto, deve assinalar-se a publicaçãodo volume Padre Antonio Vieira/Acervo do Real Gabinete Português de Leitura (Rio de Janeiro, 2008), organizado por Luiz Filipe Baeta Neves, que observa: “No rico acervo vieiriano do Real Gabinete Português de Leitura a ideia de multiplicidade fica evidente. A obra escrita de Vieira aponta para uma impressionante produtividade que se espraia pelos motivos mais diversos da contingência da vida humana e de sua transcendência.”
Para esta edição extraordinária foram arrolados 97 impressos, tendo sido selecionadas as imagens das obras mais antigas, a primeira das quais é a A Arte de Furtar de 1652, atribuída ao Pe. Vieira. E a última é uma edição do Sermão de Santo António, publicada em Coimbra no ano de 2004, devendo referir-se, por fim, 3 Códices da Clavis Prophetarum e diversos textos sebastianistas de Vieira. A edição é sóbria, utilíssima para os Vieirianos e de bom gosto.
Anota-se igualmente a edição do volume Padre António Vieira/Sermão de Nossa Senhora do Rosário (Esoterismo e Iniciação”), com introdução e desenhos de Severino (Campo das Letras, Porto, 2007). Lamenta o estudioso que ”talvez a hipervalorização da componente teológica nos escritor de António Vieira seja a razão do deficiente estudo e fraca divulgação da sua obra e impedimento para quem o lê ver mais fundo. É um erro.” E Severino acentua que “a maior parte da sua obra (de Vieira, é claro) é praticamente ignorada.”

ESTUDOS PESSOANOS

Com o simples título de Fernando Pessoa, o ator José Sinde Filipe e o musicista Laurent Filipe lançaram um CD muito original: o ator disse 28 poemas e Laurent musicou-os. A receptividade foi tão positiva que “Dinalivro” (de Lisboa) deverá relançar em breve a 2ª edição.
Sinde Filipe tem-se dedicado ao teatro, ao cinema e à televisão, tendo estudado na França e atuado no Brasil e em Portugal. Esteve ligado a vários grupos teatrais nos dois países, onde já lançou outros discos pessoanos - ninguém melhor do que um ator para interpretar Fernando Pessoa – opinou Teresa Rita Lopes, pesquisadora e ensaísta do poeta da Mensagem: “Ninguém melhor do que Sinde Filipe. Não só porque o faz há muito tempo, mas também porque sabe ser convenientemente teatral para dar ao texto o relevo o relevo que tem. E também porque interpreta de forma excelente todas as suas íntimas vibrações.”
Quanto a Laurent Filipe (português que nasceu em São Paulo, estudou música nos Estados Unidos, é trompetista e compositor), tem-se apresentado não só em Portugal mas também na Espanha e em outros países – “o trabalho do músico abrange ‘territórios’ que vão do jazz à música ‘contemporânea’, nos quais o valor da palavra é elemento essencial”.
Com o título de Fernando Pessoa/Quando fui outro, o escritor Luiz Ruffato organizou uma curiosa antologia de textos pessoanos, que inclui uma apresentação sobre o autor português, de quem reproduz a seguir dezenas de poemas e textos em prosa, mas sem os identificar, embora no final do volume indique a bibliografia. O conjunto é válido para os que já conhecem a obra do criador dos heterônimos, mas os não-iniciados dificilmente identificarão os textos. (Editora Objetiva, Rio de Janeiro).
O escritor João Alves das Neves está concluindo a última parte do prefácio de Fernando Pessoa, Salazar e o Estado Novo, volume em que reuniu poemas e prosas do escritor português. Trata-se de textos que não constam das chamadas obras completas e que estão dispersos por jornais, revistas e raros livros, desconhecidos do grande público. O obra está pronta e o autor (que já publicou 6 volumes sobre Pessoa) projecta fazer uma edição no Brasil e outra em Portugal.

LIVROS & AUTORES
Nas próximas edições deste blog, comentaremos os seguintes volumes:
- Retratos Falhados, de Dalila Teles Velhas (ed. Escrituras, col. Ponte Velha, SP - Cantochão Todavia, de Maria de Lourdes Hortas, ed. S. Vicente da Beira
- 1807/1926 - Relação dos Livros publicados no período Joanino, pertencentes à Biblioteca do Real Gabinete Português de Leitura, 2008, RJ
- Quando a política refuta e a genealogia comprova Brandões de Pombeiro e Brandões de Midões, de José Caldeira, Ed. “Raízes & Memórias, Lisboa
- A Freguesia de Unhais-o-Velho, de Aníbal Pacheco, 2008
- Memórias da Freguesia de Coja na 1ª. gágina de “A Comarca de Arganil” (1901-1950) e A Irmandade das Almas da Freguezia da Villa de Coja - por Nuno Mata, 2007

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

POR OBRA E GRAÇA DO "DICIONÁRIO DE AUTORES DA BEIRA-SERRA"

"Navegadores antigos tinham uma frase gloriosa: ‘Navegar é preciso, viver não é preciso" – avisou Fernando Pessoa. E foi com este espírito que fizemos o Dicionário de Autores da Beira-Serra (1), editado e apresentado no último Novembro em Portugal, depois de outras dezenas de livros sobre temas lusíadas e de 3 revistas culturais: Portugália, Comunidades de Língua Portuguesa e Arganilia.

Consideramo-nos parte militante da Diáspora que nos trouxe de Portugal ao Brasil, onde temos (com a Idalina) os filhos portugueses Maria Virgínia e João Ricardo, 6 netos brasileiros – João Ricardo, Fabíola, Roberto, Domenico, Alexandre e Graziella, a quem dedicamos esta carta pública. E hoje estamos no mato sem cachorro após o Dicionário: somos caçadores imaginários dos 8 territórios de fala comum, construídos por obra e graça de quase 250 milhões de navegantes da mesma raça - brancos, negros e amarelos.

É claro que nos importam as incursões camonianas, vieirinas e pessoanas, cuja rota marítima principiou no Pisão de Coja, arganilio e beirão da Serra, chegou ao Porto de comboio, desembarcou por largo tempo em Lisboa, redescobriu a Paris imaginada por intelectuais e artistas e acabou lançando âncora em São Paulo. E aqui vivemos por obra e graça da nova família, porém acorrentados, à sombra da saudade, restando-nos a ligação de sangue da Matilde e da pouca parentela sobrevivente e de raros amigos ou conhecidos que o Atlântico não afastou.

Tudo isto se reafirma, sempre por obra e graça dos Autores da Beira-Serra e fomos juntando, durante um quarto de século. recortes de jornais e notas livrescas, porque outras memórias não pudemos achar nos arquivos e bibliotecas. Redigimos os verbetes em um ou dois anos e, finalmente, o Dicionário pôde ser impresso e apresentado, pois não faltou o interesse dos editores Silvério e Paula Amaro.

É evidente que também contámos com uma boa dezena de amigos que nos ajudaram a completar a documentação, pois estávamos separados por mais de 8 mil quilômetros de mar. E em Novembro último o projecto materializou-se e o volume foi revelado na biblioteca municipal lousanense, na oportunidade em que foi igualmente lançada a edição da revista Arganilia e, depois em Lisboa, na Escola Superior de Educação da Universidade Lusófona, antes da tarde de autógrafos numa das livrarias da Editora Dinalivro, na praça do Saldanha. E acreditamos ter contribuído com o nosso trabalho para valorizar o patrimônio histórico-cultural da Beira-Serra.

Muito mais haveria a falar sobre os testemunhos reunidos em quase 300 verbetes dos poetas, ficcionistas, ensaístas, historiadores, teatrólogos, musicólogos, escultores, pintores, gravadores, desenhadores, aguarelistas, professores universitários (em particular os de Coimbra, a partir da fundação e até 1937) e outros intelectuais e artistas. Não se fizeram restrições a ninguém de ontem e de hoje, desde que tivessem publicado um livro, pelo menos, ou feito exposições ou quaisquer outras obras de interesse artístico. Reconhecemos que o Dicionário de Autores da Beira-Serra tem falhas, mas prometemos emendá-las, assim que for possível. Não obstante tem a representação da ampla maioria dos intelectuais e artistas dos municípios de Arganil, Carregal do Sal, Góis. Gouveia, Lousã, Miranda do Corvo, Oliveira do Hospital, Pampilhosa da Serra, Penacova, Poiares, Seia e Tábua. Quando pudermos, ampliaremos a lista de autores e municípios, embora não haja território definido onde começa e acaba a terra serrana voltada para Coimbra e Viseu, já que a Beira não tem fronteiras. Ficamos com a consciência de ter aberto um caminho e esperamos que outros nos auxiliem a completá-lo – realizámos o que estava ao nosso alcance, escrevendo centenas de artigos, notas e cartas aos autores, Câmaras Municipais e outras instituições oficiais e particulares, além de havermos telefonado para numerosas pessoas. Por isso, agradecemos a todos os que colaboraram na imensa colecta de informações.

A edição é da Dinalivro, 303 págs., Lisboa, E-mail: info@dinalivro.pt (Preço de capa: 25 Euros).

Compre on-line:http://www.guardamor.com.pt/livro.php?id=1129

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

QUAIS SÃO AS VERDADEIRAS RAÍZES DO FADO - Parte 2

O Fado está no íntimo de escritores portugueses, mesmo que jamais sido "fadistas", de acordo com o sentido que é hoje corrente. E o autor de Fado, itinerários de uma cultura abre o seu livro com versos de António Nobre, como símbolo de uma portugalidade que está na raiz da "canção nacional" que tantos lhe atribuem.

Testemunha Mário Anacleto que nas suas viagens pelo estrangeiro e nas conversas com músicos e melómanos, populares, cultos e sabedores, por vezes lhe perguntam "se o Fado é só português, ou , de onde é que os portugueses aprenderam o Fado, ou ainda. Se há mais intérpretes do fado, para além da grande Amália Rodrigues. E perguntam , os mais avisados e familiarizados com conceitos e especificidades, o que significa a palavra saudade que parece ser única no léxico universal".

Grande chão teríamos de andar se fôssemos em busca das parecenças aceites e recusadas da Saudade (sobre a qual Carolina Michaellis de Vasconcellos escreveu longamente e situou o Fado nos começos do século XIX, outros envolvem o Rei D. João VI no fio de Ariadane), ao passo que o nosso mestre cantor e professor estranha que toda a gente aceita que o Lied indiscutivelmente alemão, a Napolitana de Nápoles e o Samba brasiliano: "Então porquê perguntar se o Fado é português. Se ele é?".

As dúvidas são incompreensíveis e quem se aproveitou delas foram os politicões, desde os fascistas aos "abrilistas", a fim de atacar ou defender, consoante se deduz do capítulo do livro, sob o titulo de "visões de um Estado Velho". Até o cinema e o rádio se aproveitaram do Fado: "Ao povo poderiam tirar tudo - escreve M. Anacleto. E quase tudo lhe tiraram, menos a alma, o pensamento, a revolta, a generosidade e a esperança de tudo melhorar." E veio a televisão, que tirou o seu quinhão fadista, retribuindo o quê?

Isto seria em Lisboa: e em Coimbra? Os "itinerários de uma cultura viva": "Embora o fado de Coimbra seja muito mais recente que o movimento dos poetas trovadores de antanho ou até que as histórias relacionadas com as ‘tempestuosas’ e ardentes ligações humanas e amorosas de Inês com D. Pedro, ou até mesmo que o período seiscentista dos poetas palacianos como Gil Vicente, Bernardim Ribeiro, Garcia de Resende ou Sá de Miranda, é fatal esta memória que nos faz recuar a esse período da História da expressão literária que, em Portugal, está na gênese de uma literatura ímpar no mundo dos cambiantes de todos os reflexos e com uma riqueza humana e cultural de valor inestimável".

Outros documentos são interpretados pelo musicista, realçando o contribuo conimbricense ao Fado da cidade por excelência universitário à multiplicidade ulissiponense – e são apontados os nomes de numerosos participantes acadêmicos, incluindo Zeca Afonso, Fausto, Adriano, Vitorino, Manuel Freire, "entre vários outros de grande energia e criatividade, sonhando um novo capítulo de um fadário em constante renovação, de letras, de músicas e de intérpretes".

Com esta ligação evidente de Lisboa e Coimbra, pode garantir-se a utonomia portuguesa da História do Fado, através dos séculos. E se os trovadores não eram fadistas na genuína acepção do termo é por demais notório que, a-par da afluência árabe (e africana) ou mesmo brasileira (pois Luís da Câmara Cascudo a reconhece no Dicionário do Folclore Brasileiro- e não só ele, como Kilza Setti e mais especialistas brasileiros), as raízes do Fado estão em Portugal, o que não diminui a contribuição de outras fontes).

A História do Fado tem autonomia portuguesa. E, em conclusão, menciona-se a observação autorizada do musicista brasileiro Mário de Andrade, na Pequena História da Música: "A influência portuguesa foi a mais vasta de todas (na Música Brasileira). Os portugueses fixaram o nosso tonalismo harmônico; nos deram a quadratura estrófica; provavelmente a síncope que nos encarregamos de desenvolver ao contacto da pererequice rítmica do africano; os instrumentos europeus, a guitarra (violão), a viola, o cavaquinho, a flauta, o oficicleide, o piano, o grupo dos arcos; um dilúvio de textos; formas poético-líricas, que nem a Moda, o Acalanto, o Fado (inicialmente dançado): danças que nem a Roda, infantil: danças ibéricas que nem o Fandango: danças dramáticas que nem os Reisados, os Pastorais, a Marujada, a Chegança, que às vezes são verdadeiros autos. Também de Portugal nos veio a origem primitiva da dança dramática mais nacional, o Bumba-meu-Boi."

Tudo isto nos é sugerido por Mario Anacleto no seu valiosíssimo estudo Fado, itinerários de uma cultura viva.

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

QUAIS SÃO AS VERDADEIRAS RAÍZES DO FADO

Nos últimos anos tem sido posta em questão a origem do Fado: será que é brasileiro? Ou foi inspirado pelos árabes? Mas então por que não há música igual nem parecida no Brasil nem tão pouco em nenhum dos países árabes? E por que motivo é hoje simplesmente cantado pelos portugueses, alguns dos quais o apelidaram até de "canção nacional"?

Temos de reconhecer que certos musicólogos lusitanos consideraram que o fado é um gênero musical inferior, conforme sublinharam Luís de Freitas Branco, Fernando Lopes Graça e outros intelectuais de reconhecido mérito – pretensão que é contestada por vários intelectuais de alto valor – e apontam-se dois grandes poetas contemporâneos: José Régio e David Mourão-Ferreira, que não estão sós... Porém, como é que ficamos?

Foi publicado há meses o livro Fado, itinerários de uma cultura viva (1), de Mário Anacleto, professor, cantor e estudioso da Música, com vários estudos não especulativos e bem documentados. Se exceptuarmos os casos de Luís F. Branco, Lopes Graça e de outros especialistas competentes, aos quais se dá o direito da divergência, muitos dos adversários do Fado não buscam as origens desta faceta da música popular portuguesa (porque o é, independentemente da posição assumida). São contra "porque sim" ou são a favor "porque não"... Ora, as coisas não podem ficar assim!

O Prof. Mário Anacleto analisa o problema com seriedade e fundamenta o que pensa ao dizer peremptoriamente: "O Fado é português, claro.". E baseia a sua posição no conhecimento que tem da matéria e até de inúmeros "especialistas" . Colocamo-los entre aspas porque certos deles são ardentemente apaixonados – e esta não é a atitude do nosso autor, que recorreu a uma ampla bibliografia "fadista", pró e contra – é quase uma biblioteca de 65 livros que abordam o tema, directa ou indirectamente. Não dispomos dessa colecção de análises e interpretações, mas salientamos o Fado – Origens líricas e motivação poética, de Mascarenhas Barreto (2), pois nos parece que é bem estruturado, histórica e culturalmente:

"Chamam ao Fado a ‘canção nacional". Ora, o Fado, hoje considerado elemento do folclore português, não é cantar regional, nem sequer canção-tipo, tão vário é o género das suas melodias e intenção dos seus poemas. (...) É bem patente a afinidade do Fado com a poesia trovadoresca medieval. Nela se manifesta também a influência das melopéias da população mourisca vencida, espalhada nos arredores de Lisboa, e ainda, na sua forma mais moderna, a influência dos ritmos primitivos, transmitida pelos mareantes que regressavam de todos os mares do Mundo, saudosos do exotismo dessas terras distantes."

Mário Anacleto usa mais argumentos e chega à mesma conclusão. E se assim não fosse como admitir que o velho LP Com que voz" (3) é um dos discos mais portugueses de Amália Rodrigues, porque traça a linha directa que vem de Luís de Camões até à brasileira (tão próxima de nós) Cecília Meireles, passando por P. Homem de Melo, Ant. de Sousa, David M.-F. e C. Ary dos Santos, O’Neill e Manuel Alegre. E, daí, a pergunta: o que têm a ver as alusões de Tinhorão e de mais dois ou três com as ligações com o Brasil?, tal como foram romanceadas nas Memórias de um Sargento das Milícias (4), lembradas por Mário de Andrade (o escritor mais importante do modernismo brasileiro), sob a alegação de que somente no Brasil se dançava o Fado – o que não corresponde à "moda" ainda hoje bailada nalgumas terras da Província Lusíada?.

O Prof. Mário Anacleto documentou perfeitamente a raiz árabe da "canção nacional" e é tão claro como a "modinha" pode ter dado achegas ao Fado, mas, por outro lado, lembramos as interpretações "fadistas"de Nelson Gonçalves e de outros antigos sambistas brasileiros (os actuais fogem deste paralelo como o diabo da Cruz!). Mas aceitemos a declaração de que "o Fado é português, claro", antes de examinarmos outros conceitos em torno do oportuno livro Fado, itinerários de uma cultura viva."

Bibliografia:
(1) Ed. Millbooks, Porto, 2008. Licenciado em Filosofia pela Universidade do Porto, Mário Anacleto é Mestre pela mesma escola superior e pela Universidade Complutense (Madrid) e Doutor em Música pela Universidade de Bucareste. Fez o Curso Superior de Canto do Conservatório de Música do Porto. É autor de 3 teses universitárias sobre temas musicais e é também professor e cantor de música portuguesa (fado e ópera) tendo realizado concertos em Portugal, Espanha, Brasil, Itália, Roménia Estados Unidos e El Salvador

(2) Fado – Origens líricas e motivação poética, Ed. Aster, Lisboa, 1980, 589 págs., capa de Fontes de Melo, ilustrações de José Pedro Sobreiro

(3) Gravadora Valentim de Carvalho, música de Alain Oulman, Lisboa, s/d

(4) De Manuel António de Almeida, publicada em folhetins no Correio Mercantil, Rio de Janeiro, 1852/53, 1ª. ed. em 2 vols.(1854/55), Rio de Janeiro

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

PREFÁCIO DO LIVRO "DICIONÁRIO DE AUTORES DA BEIRA-SERRA"

À GUISA DE INTRÓITO
*Profª Drª. Regina Anacleto,
Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.

Escrever a apresentação do livro de João Alves da Neves intitulado “Dicionário de Autores da Beira-Serra” representa, para mim, uma dupla satisfação. Em primeiro lugar, porque se trata de um Amigo que, desde há muito, me habituei a admirar e a estimar; depois, porque o trabalho agora dado à estampa – mais um saído da sua brilhante pena – resultou de um labor de pesquisa levando a cabo ao longo de mais de vinte anos em jornais, arquivos e bibliotecas, transformando-se num instrumento de trabalho indispensável para todos aqueles que queiram conhecer melhor essa região, tantas vezes tão maltratada e esquecida pelos poderes públicos, mas tão rica de belezas naturais e de qualidades humanas.

Dar corpo, na escrita estilizada de um Dicionário, às gentes de uma região significa, pois, no livro que se segue, ultrapassar a geografia humana para pensar uma geografia cultural. Por isso, o Dicionário de J. Alves das Neves é uma espécie de memorial de um espaço, um pergaminho identitário fundamental para o futuro. Explico-me de seguida. Um povo só é rico quando tem história e quando pugna pela salvaguarda desse valor, isto é, desse patrimônio, porque ele evidencia o significado estático ou cultural dessa sociedade e funciona como seu suporte e garante. Trata-se de um conjunto de “bens” que uma geração transmite à seguinte, a fim de que se constituam num meio de compreensão da essência da sua própria história.

Este patrimônio, ou se quiser esta história, este “dom”, engloba tudo o que tem significado perene, tanto para a vida cultural e física do homem, como para a existência e afirmação das mais diversas comunidades, passando pela vicinal, pela concelhia, pela regional, pela nacional ou até mesmo pela internacional.

As comunidades, como tais, necessitam de ancoradouros de memória, de sítios, de valores e de padrões. Dito por outras palavras, necessitam de um patrimônio, ou de uma história, que seja o fundamento da sua consciência e lhes garanta a perspectiva do futuro.

A memória coletiva de uma determinada população estende-se aos territórios onde vive, aos seus monumentos, aos vestígios do passado e do presente, aos seus problemas, à sua cultura (material e imaterial) e, nas suas mais diversificadas valências, às pessoas. No entanto, a mensagem que nos proporcionam, transmite-se de geração em geração, ultrapassa a morte e, através do lento, mas imparável, devir do processo histórico, fornece identidade ao ser humano. Esse passado, que é memória, toma corpo e, porque ninguém pode viver em permanente conflito com a sua memória, acaba por se tornar presente e futuro.

A história vive e projeta-se através do passado humano e quanto mais forte, profundo e saudável esse passado for, maior força imprime a essa mesma história, no sentido de ela se poder afirmar com uma vitalidade cada vez mais sólida.

Toda a comunidade humana, qualquer que ela seja, sempre teve e, antropologicamente, deverá ter as suas referências de memória, isto é, os seus “monumentos”, mesmo que estes sejam orais. Trata-se de um patrimônio que funciona como garante de identidade.

A defesa deste patrimônio, acumulado ao longo de séculos, é que nos individualiza, mas não pode deixar de ser valorizado, na medida em que marca a nossa identidade cultural e só a preservação dessa mesma identidade nos permitirá uma individualização forte, sobretudo frente à crescente globalização, ou, quiçá melhor dito, massificação.

Assim, João Alves das Neves, com seu “Dicionário de Autores da Beira-Serra”, que apresenta cerca de trezentas entradas, onde averbou a biografia de escritores, professores universitários, artistas, músicos, cientistas e outros intelectuais nascidos ou ligados à região serrana, ajuda a preservar este patrimônio, não permitindo que ele se transforme em pó, passível de ser disperso por forte vendaval.

Alguns destes verbetes já foram publicados em “A Comarca de Arganil”, o primeiro jornal em que o autor, ainda um jovem sem créditos firmados, iniciou as suas, então amadoras, lides jornalísticas.

A opção por esta forma es escrita – a de um Dicionário – parece, de algum modo, espelhar o percurso biográfico do seu autor. Ensaísta e jornalista, João Alves das Neves nasceu no Pisão e estudou em Lisboa, Porto e Paris, onde se formou na École Supérieure du Jornalisme. Em Lisboa foi redator do “Diário Ilustrado” e da “Agência France Presse”, tendo, também, colaborado em “O Primeiro de Janeiro”, “Diário Popular”, “Nova Renascença” e na revista “Ocidente”.

Entre 1951 e 1954 trabalhou na Radiodifusão Francesa, mas, no ano de 1958, partiu rumo ao Brasil, onde se fixou.

Tornou-se editorialista de “O Estado de S. Paulo” e foi, naquele país, diretor da revista “Portugália”, fundador e diretor das revistas “Comunidades de Língua Portuguesa” e “Gazeta do Descobrimento”, em Portugal, fundou e dirige a revista “Arganília”.

Chefiou o departamento de Jornalismo e exerceu a docência na Faculdade de Comunicação Social “Cásper Libero”, a mais prestigiada escola de jornalismo do Brasil, tendo ainda lecionado no Porto, na Escola Superior de Jornalismo e no Instituto Superior de Ciências da Informação e da Empresa.

Alves das Neves conta com mais de duas dezenas de livros editados, onde aborda aspectos diversos das letras portuguesas, brasileiras e africanas de expressão portuguesa. Além disso, dedica uma atenção muito especial à obra pessoana, sendo até presidente do Centro de Estudos Americanos Fernando Pessoa, sediado em São Paulo. Dada a impossibilidade de enumerar, nesta breve nota introdutória, os seus muitos trabalhos, não gostaria, no entanto, de passar à margem de “Poesias Ocultistas de Fernando Pessoa” e “Padre Antônio Vieira, o Profeta do Novo Mundo”.

Não quero, ainda, deixar de referir o seu artigo “Homenagem a Fernando Pessoa” que lhe valeu a atribuição do prêmio Esso de Informação Cultural; trata-se de um prestigiado (e cobiçado) galardão que, no Brasil, promove o reconhecimento do mérito dos profissionais de Imprensa através da indicação e escolha dos melhores trabalhos publicados em jornais e revistas.
Com uma obra tão vasta e valiosa, desenvolvida ao longo de meio século, não admira que lhe tenham sido atribuídas várias distinções e condecorações, tanto pelo governo brasileiro, como pelo português; este agraciou-o com a Comenda da Ordem do Infame D. Henrique.
Soma-se, agora, a toda esta panóplia bibliográfica, o “Dicionário de Autores da Beira-Serra”, obra que culmina um trabalho ingente e se vai transformar numa referência, até porque concede às personagens que, de algum modo, se encontram ligadas à cultura, tanto às do passado, como às do presente, a possibilidade de perspectivar o futuro.

Certamente que é este o objetivo do “Dicionário de Autores da Beira-Serra” que a Dinalivro, pela mão de João Alves das Neves, ora coloca diante de todos nós; certamente que é este também o objetivo do autor, consciente de que a obra até agora publicada carecia de uma síntese humanista que, ao invés de a fechar sobre si própria, a abre ao seu mundo genuíno e às memórias que dela emanam.

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

O DIÁLOGO ENTRE OS PAÍSES DE IDIOMA PORTUGUÊS

Portugal e Brasil, Angola e Moçambique, Cabo Verde, Guiné (Bissau), São Tomé e Príncipe, além de Timor, formam hoje uma das mais importantes comunidades lingüísticas do Mundo: somam 247,797 milhões os falantes do nosso idioma, de acordo com as informações do Almanaque Abril 2009 - anuário respeitado, cuja 35ª. edição acaba de ser lançada em São Paulo pela Abril, uma das mais importantes editoras brasileiras.

Quer dizer, integramos uma parte ponderável da população do globo que vive na Europa, América, África, Ásia e Oceânia. Se dispomos de uma Comunidade importante, no plano demográfico, temos igualmente um peso razoável, no âmbito das exportações: $USA: 318.191 milhões, ao passo que o sector das importações é também significativo: $USA: 177.634 milhões. (As cifras são as mais recentes que obtivemos – e a conclusão é baseada em estimativas, na ausência de estatísticas oficiais).

Observando o quadro geral,podemos assinalar que é superavitário o comércio internacional dos 8 países comunitários, mas alguns deles são deficitários, conforme ocorre com a balança comercial portuguesa (compra mais de $USA 20 milhões do que vende), saldo negativo que os últimos governos não conseguiram harmonizar, nem táo pouco os caboverdianos, guineenses, são tomenses e moçambicanos, lamentando-se a ausência de dados timorenses. Quer dizer, somente os brasileiros e angolanos conseguiram resultados positivos do seu intercâmbio econômico com os demais países do mundo.

Dir-se-á que o diálogo deve abranger outros domínios, e não discordaremos – mas nem por isso pode ser omitido (os Estados Unidos não são grandes apenas militarmente, mas pela sua enorme força de produção industrial, agrícola, etc.). O nosso problema é que no capítulo da política internacional não temos influência correspondente ao nosso bloco populacional. E no cultural, o que têm realizado os governos dos 8? Muito menos do que seria necessário e basta pensar na importância que poderia ter a nossa unidade lingüística se fossem aproveitadas as portas abertas pelo acordo ortográfico. Houve quem concordasse e discordasse, enquanto a maioria silenciosa ficou insensível à mudança. (Chama-se a atenção para outro silêncio – o dos “mestres” da informática, que nada dizem sobre os “tremas” e outros sinais que estão como dantes nos computadores dos nossos países, apesar das mudanças oficiais”).

Poderemos concluir, por agora, que a indiferença se assemelha à prática da chamada “Comunidade dos Países de Língua Portuguesa”, manobrada pelos políticos que vão mudando (felizmente!), mas que não sabem nada – lembramos Fernando Pessoa, quando anunciou, no poema Liberdade: “Estudar é nada” - “O mais do que isto/ É Jesus Cristo, / Que não sabia nada de finanças/ Nem consta que tivesse biblioteca.”

Deixemos de lado a ironia e passemos agora ao exame do que é real, e consideremos que 2 +2 = 4, por mais interpretações que algum “economês” nos aponte acerca do “deve” e “haver” do passado e do presente – e leia-se o quadro concreto da economia dos 8 países comunitários:

EXPORTAÇÕES E IMPORTAÇÕES DOS 8 PAÍSES
Fonte: Almanaque Abril 2009, 730 páginas. (Editora Abril, São Paulo, 2009). Edição (publicada pontualmente há 35 anos).
* Dados referentes a 2007.