segunda-feira, 22 de junho de 2009

Carta da Diáspora: “A COMARCA DE ARGANIL” (1-1-1901/10-6-2009)


Se o impossível acontecer, o jornal “A Comarca de Arganil” não morreu.

Há-de sobreviver na memória daqueles que a leram e construíram (leitores e colaboradores), incluindo naturalmente dirigentes e redatores.

Por obra e graça da “Comarca” – e esse foi o caso de muitos milhares de pessoas, ontem e até 10 de Junho último. Data que parece fatídica para os portugueses, que há 429 anos perderam o seu poeta nacional. Porém, Camões não morreu e em cada instante revive na alma dos lusíadas. Não acreditamos na Ressurreição, porque somente Jesus Cristo - que foi Homem e ressuscitou, porque era Deus.

Foi a leitura dos jornais que nos fez descobrir o Mundo, depois de termos aberto os olhos para a Vida com os nossos Pais. Aprendi as primeiras letras no antigo poliógrafo de meu tio-avô Francisco, que era Padrinho de minha Mãe e dos meus Tios (logo, também meu Padrinho por afinidade). Ora, este meu Padrinho, que eu adorava, contou-me histórias maravilhosas e ensinou-me a juntar as letras e a consolidar as minhas leituras, com o auxílio de “A Comarca” e do “Jornal”, embora nem sempre entendesse notícias e artigos. Mas também isso, com o tempo, fui aprendendo.

Em toda a parte por onde passei ou vivi, fui colaborador jornalístico da Comarca, embora o haja sido igualmente do Jornal de Arganil” (primeiro com a coluna Notas Ligeiras, num tempo em que a juventude me levou a criticar disfarçadamente o regime e outros temas, mas com o cuidado de não ser cortado pela censura – e depois ocasionalmente outros assuntos). Mas foi com a Comarca que assiduamente me envolvi nas estadas em Paris, onde estudei jornalismo; em Lisboa, onde entrei no jornalismo profissional; e no Brasil, onde de O Estado de S. Paulo alarguei a minha ação ao ensino na Faculdade de Comunicação Social Casper Líbero - E permaneci colaborador do jornal centenário Comarcão, comentando o vi em Angola, Moçambique, Guiné-Bissau e Macau.
Enfim, durante as minhas lides vivi do Jornalismo, dei colaboração simultaneamente à Comarca, graças à minha grande amizade com José Castanheira Nunes, João Castanheira Nunes, Francisco Carvalho da Cruz e aos jornalistas Pe. José Vicente e António Lopes Machado, assim como a milhares de leitores. Mais de meio século! Quem pode resistir sem emoção ao desaparecimento de um convívio tão prolongado?

Bem antes deste 10 de Junho, recebi o honroso convite para colaborar no Jornal de Arganil – e aceitei. Aliás, sempre dei a minha colaboração a outros jornais, pois me sinto apto a fazê-lo, sem desmerecer ninguém, ao mesmo tempo que, continuo ligado à revista cultural da Beira-Serra Arganilia, ao lado de António Lopes Machado. Mas ficaria feliz se A Comarca de Arganil voltasse um dia!

quarta-feira, 17 de junho de 2009

"In Memoriam": HENRIQUE GALVÃO, ESCRITOR E POLITICO - Parte II

A bibliografia de Henrique Galvão é extensíssima e abrange mais de 20 volumes, entre ensaios de carácter científico e de ficção e teatro (incluindo a poesia de Grades Serradas), a-par de quatro dezenas de livros que o biógrafo Eugenio Montoito considerou de “intervenção política e administração colonial” (5 em torno do governo salazarista). Foi ainda tradutor de 8 peças de Eugénio O’Neill e mais duas de Lionel Shapiro e Jean de La Varande, a-par de um livro de Pierre Goemar. E prefaciou igualmente a edição portuguesa das Obras Poéticas de Manuel Bandeira.

Entretanto, deve ser assinalada a edição de La Vida y la Muerte em la Selva (Costumbres de animales salvajes / Caza mayor y su técnica), obra que assinou em conjunto com Teodosio Cabral e Abel Pratas. Ignoramos a participação de cada um deles, mas na 2ª. edição informa-se que a obra foi revisada e ampliada com notas de Bermudo Melendez (da Universidad Central), acrescentando-se que a tradução é de Carmen Diaz Herrero. No Prólogo, o Prof. Melendez esclarece: “Las fotografias que en la presente edición se insertan , proporcionadas por los señores Pratas y Fénikövi, tienen un alto valor cientifico y artístico exceptionales”. (Ediciones Paraninfo, 1967, Madrid).

Nesta 2ª edição de 600 páginas vêm dezenas de fotografias a preto-e-branco. Pouco antes de ser hospitalizado, em 1986, disse-nos o Cap. Henrique Galvão que da Espanha deveriam enviar-nos um exemplar de La vida y la muerte en la selva – e um dia o volume chegou-nos a São Paulo pelo correio, sem carta nem cartão...

O primeiro contacto com o Capitão Henrique Carlos Malta Galvão ocorreu durante a visita que ele fez ao jornal O Estado de S. Paulo (onde trabalhamos como jornalista de 1958 a 1989), após o episódio do navio Santa Liberdade. Já era famoso quando o vimos no comício da campanha à presidência do Almirante Quintão Meireles, e entre os artigos que sobre ele publicámos em O Estado lembramos o dedicado ao romance anti-racista Pele. E desde que o Cap. Galvão foi convidado a trabalhar no jornal conversávamos amistosamente (ele só manteve laços de amizade com o jornalista português José Santana Mota e connosco, tendo cortado o diálogo, com outro compatriota, na redação). Não participámos da efêmera Frente Antitolitária dos Portugueses Exilados, que ele criou, mas continuamos amigos. Certo dia, o Capitão ficou doente e avisamos o Dr. Júlio de Mesquita Filho, diretor de O Estado de S. Paulo, que mandou marcar uma consulta com o médico do jornal. O clínico recomendou que fosse hospitalizado – e pediram-nos que o acompanhássemos à Clínica Bela Vista, em São Paulo, onde ele ficou internado por quase 4 anos. Raros amigos o visitavam e pediram-nos que informasse a Direcção do jornal. Quando os médicos acharam que a doença do Capitão era irreversível, foi solicitada a intervenção do Governo de Lisboa para que ele pudesse voltar a Portugal. A resposta foi implacável – o regime comprometia-se a pagar a clínica, mas regressar, não! E no dia 25 de Junho de 1970, Henrique Carlos deixou-nos. Ao velório compareceram 9 pessoas, entre os quais o Dr. Ruy de Mesquita, atual diretor de O Estado de S.Paulo - e apenas 6 portugueses o acompanharam ao cemitério paulistano de Vila Nova Cachoeirinha. Posteriormente, quando fomos a Lisboa recebemos a derradeira tarefa: levar o dinheiro que ele deixara – pouco mais de 3 mil cruzeiros! – e entregá-lo à viúva, D. Maria de Lourdes Galvão.

Somente em 10 de Novembro de 1991 os restos mortais do Cap. Henrique Galvão foram trasladados para um mausoléu do Cemitério dos Prazeres, graças às diligências do Diretor de O Estado de S. Paulo, Dr. José Maria Homem de Montes, que declarou em Lisboa: “Hoje, o Estado Português presta a Henrique Galvão a homenagem no círculo dos que souberam ousar e não se conformar.”

segunda-feira, 15 de junho de 2009

"In Memoriam": HENRIQUE GALVÃO, ESCRITOR E POLITICO‏ - Parte I

Muito tem sido dito e escrito por e contra o Capitão Henrique Carlos Malta Galvão, que se tornou mundialmente conhecido por haver projectado e comandado, em 1961, o apresamento do navio “Santa Maria”.

Celebrado pela acção política que cumpriu contra o regime de António de Oliveira Salazar, o Cap. Galvão passou a combater as falcatruas praticadas pelos apaniguados do regime em Portugal e nas antigas colônias. Sem duvida, foi uma luta desigual e sem tréguas em prol da liberdade no país natal.

Nascido no Barreiro, frente a Lisboa, em 4-2-1895, Henrique Galvão morreu em São Paulo do dia 25-6-1970. O tempo esfuma-se e são cada vez menos os que o apoiam ou odeiam, porque as divergências ideológicas ainda hoje persistem: o comandante do “Santa Liberdade” (como ele designou o navio) não foi aplaudido pelos “abrilistas”, nem dos direitistas nem dos esquerdistas. Mas se o político foi esquecido a sua obra literária pertence para sempre à História da Cultura Portuguesa do século XX.

Evidentemente, há excepções: foi publicado recentemente em Portugal o livro Andanças para a Liberdade (1), de Camilo Mortágua, que relata não só a vida do autor em Portugal e na Venezuela, mas também os preparativos do Cap. Galvão, em Caracas, para desencadear a “Operação Dulcineia”. E os democratas portugueses não podem esquecer os riscos enfrentados pelo capitão insubmisso.

Na última página do seu livro, Camilo Mortágua, descreve fim da “viagem” no Recife e o caminho futuro: “As próximas “andanças” hão-de levar-nos de volta a Lisboa e à restauração da Liberdade, “esperando dela, e tão só, todas as recompensas”. E promete completar o relato da aventura iniciada com o “Santa Liberdade”.

Por seu turno, Eugénio Montoito salienta, no livro “Henrique Galvão (2)”, “a dissidência de um cadete do 28 de Maio (1927/1952)” quando o jovem militar esteve ligado ao Golpe de Estado de 1926 e à conspiração dos militares (7 de Fevereiro de 1927) e, mais tarde, à posição de ideólogo de excelência do colonialismo português”, chegando a seguir à “experiência parlamentar” e aos motivos que o levaram ao afastamento do regime, “através daquela mesma África que tinha originado a união e a convergência política”. No último capítulo do livro, Eugénio Montoito recorda o ingresso do Cap. Galvão na campanha presidencial do Almirante Quintão Meireles, oposicionista, e em outras fases do combate aberto ao regime ditatorial de Salazar. Toda a gente sabe que Henrique Galvão enfrentou de peito aberto o combate à Ditadura – e a “viagem” com o “Santa Liberdade” era apenas o episódio mais eloquente da sua luta anti-salazarista do Cap. Galvão.

A “Operação Dulcineia” foi documentada em 7 artigos publicados no jornal O Estado de S. Paulo”(de 19-2-1961 a 26 do mesmo mês). Antes, porém. Galvão escrevera 2 artigos na revista Anhembi, dirigida pelo jornalista e escritor Paulo Duarte (fev. e março de 1953) sobre a Ditadura salazarista e no jornal ATribuna , (27-3-1960), mas a aventura do Santa Maria apareceu em numerosos jornais e revistas de vários países, embora O Estado de S. Paulo tenha sido a barricada mais firme deste novo período de luta ao fascismo português (o tiroteio alargou-se por mais de 40 artigos, além de outra quinzena de textos acerca da fauna e de certos aspectos da vida africana (o último artigo saiu, em 16-10-1966).
(1) Esfera do Caos Editores Lda., Lisboa, 2009
(2) Ed. do Centro de História / Universidade de Lisboa/ Universidade de Lisboa,2005

quinta-feira, 11 de junho de 2009

CINCO NOVAS EDIÇÕES DE LIVROS DE JOÃO ALVES DAS NEVES‏

Com cerca de três dezenas de livros já publicados sobre os mais diversos temas literários, históricos e jornalísticos, o escritor João Alves das Neves, que nasceu no Pisão de Coja e vive no Brasil há longos anos, recebeu propostas para a edição e reedição de cinco dos seus livros: Combóio, Saudades, Caracóis (para crianças e baseado em Fernando Pessoa), Padre António Vieira, Profeta do Novo Mundo, Santo António de Lisboa na Poesia de Portugal e do Brasil e Fernando Pessoa, Salazar e o Estado Novo. O 5º. volume versará também a obra do Poeta da Mensagem.

O livro Combóio, Saudades, Caracóis é o de maior audiência e já tem 9 edições e reimpressões da Editora FTD (de São Paulo) e o que aborda o tema de Pessoa X Salazar é inédito e deve ser publicado dentro de poucas semanas no Brasil. O que trata de Santo António é a versão muito aumentada de uma pequena edição especial de 1995 e o do Pe. António Vieira é uma edição alargada da 1ª. (em 1995).

Duas das cinco obras já contratadas pela editora “Via Occidentalis” (de Lisboa) serão lançadas ainda este ano e as outras 3 a partir de 2010 . Os contratos para os 5 lançamentos já foram assinados por ambas as partes. Recorda-se .que o último trabalho de João Alves das Neves foi o Dicionário de Autores da Beira-Serra, apresentado em 2008 pela editora lisboeta Dinalivro (Distribuidora Nacional do Livro).

Actualmente, além de intensa colaboração jornalística, o escritor prepara nova visita a Portugal, no fim de Julho e coordena dois blogs na Internet em torno dos problemas culturais e economicos dos 8 países de idioma comum, ao mesmo tempo que está organizando com o professor, escritor e pintor Nuno Mata um álbum as “visões” plásticas da Beira-Serra, ilustradas pelo grande artista e intelectual que foi Monsenhor Augusto Nunes Pereira.

segunda-feira, 8 de junho de 2009

Imprensa: A CRISE AFECTA A PROVÍNCIA E A EMIGRAÇÃO

Não diremos que o atual Governo perseguiu a Imprensa Regional e a da Emigração, embora quem tem raízes na Província e aqueles que vivem na Diáspora saiba que tanto num caso como no outro os nossos jornais, revistas ou simples boletins noticiosos foram empurrados para o “olho do furacão” que se avoluma cada vez mais com a crise econômica internacional.

Pretender que a globalidade fortalece os grandes e enfraquece os pequenos não passa de habilidade política que teve entre os seus fautores os regimes de Hitler e de Estaline, já que, ainda e sempre, os extremos tocam-se e chegam até a aliar as potências “neo-colonialistas”, conforme exemplificaram os nazistas e soviéticos que se juntaram para dominar a Europa e, depois, o Mundo.

Não somos americanófilos, mas também não esquecemos a lição dos nossos maiores: quem mais contribuiu para a Liberdade e a Democracia foram os Estados Unidos, cuja participação foi decisiva na derrota de Hitler (que mais tarde se voltou contra o Kremlin). E quem ajudou a destruir o imperialismo soviético foi a pujança da economia livre, defendida principalmente por Washington e Londres, sob o comando de Roosevelt e Churchill.

O Mundo dá muitas voltas e agora é a crise econômica que ameaça a estabilidade dos países realmente democráticos. Entretanto, a crise é como a bola de neve que desliza por montanhas, vales e agita os oceanos. E cresce, asfixiando a agricultura, a indústria e o comércio. Estamos em pleno vendaval – ameaçando as instituições de toda a espécie. E a Imprensa não é excepção, apesar de serem diferentes os estragos que os ventos já fizeram.

Acusa-se a Internet pela desestabilização da Imprensa, como outrora se responsabilizou o Cinema jornalístico, depois o jornalismo radiofônico e televisivo. Já se admitiu, porém, que todos podem conviver, de acordo com os “nichos” disponíveis e aproveitáveis. Ora, a mesma conclusão virá quando os diferentes meios de comunicação verificarem que a convivência é possível.

O que não é possível é que os governos incentivem alguns sectores da Imprensa e prejudiquem outros. O porte pago era um apoio barato que fortalecia a Imprensa da Província e da Emigração, que sob certos aspectos se completam. Ou não recebem apoios indiretos a chamada “grande imprensa”, o rádio e a TV? E isto explica o óbvio; conforme foi revelado no 7º. Congresso de Imprensa de Inspiração Cristã, que em 2008 se realizou em Bragança: nos últimos anos, fecharam 57 jornais e revistas!

O porte pago passou de 90% para 50% , depois para 40% - e agora? É evidente a ajuda dos partidos no poder (do atual e dos anteriores), a Imprensa Portuguesa ganhou a liberdade de expressão e progrediu tecnicamente, mas terá melhor qualidade? A crise é a desculpa. Será? O jornal The New York Times atravessa uma crise financeira sem precedentes e, para a combater, vai atuar mais intensivamente na Internet. E outros grandes jornais anunciam idênticas medidas. Entre nós, a Imprensa Regional está cada vez mais asfixiada. E a Imprensa da Diáspora tem perdido inúmeros jornais – e é incompleta a informação que nos dá a RTPI e a RDPI, cujas audições não são reveladas (se é que alguém as faz). A passividade do Governo é total e as decisões que tomou (como é o caso do porte pago) só agravaram a situação. Quem é que assume a posição realista de fortalecer os nossos jornais da Província e da Emigração, cuja presença é fundamental para esclarecer os milhões de portugueses que só lêem a Imprensa Regional ou a da Emigração? E o que é que se fez ara a revigorar? Que medidas foram tomadas para evitar o desaparecimento de grandes jornais como A Comarca de Arganil que receia ter de fechar depois de 108 anos de inestimáveis serviços prestados aos portugueses, em Portugal e na Diáspora?