quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Movimento Regionalista: Um livro da Sociologa Maria Beatriz Rocha-Trindade

Depois de se ter notabilizado como pesquisadora dos problemas da Diáspora Portuguesa através do Mundo, a Profª. Drª. Maria Beatriz da Rocha-Trindade, que dirige o Centro de Estudos das Migrações e das Relações Interculturais (CEMRI) da Universidade Aberta de Portugal, vai lançar o livro A Serra e a Cidade (O triângulo dourado do Regionalismo).

Quer dizer, chega o estudo que faltava, embora não sejam de menosprezar os vários livros já publicados sobre o Movimento Regionalista em Arganil, Pampilhosa da Serra e Góis. No entanto, a documentação reunida pela autorizada ensaísta da nossa Emigração é pormenorizada, fundamentada e cientificamente interpretada. Afinal, as questões da Diáspora e do Regionalismo cruzam-se freqüentemente, conforme observou a autora no decurso de duas dezenas de anos de investigações na Imprensa e em numerosos depoimentos e acções que pôde acompanhar. .

A primeira parte do estudo que tivemos o privilégio de ler antes da publicação destaca “A Serra” – vistas e perspectivas da desertificação, referindo a seguir, entre outras questões, as aldeias dos 3 concelhos, além de analisar a “História da migração interna” e o Regionalismo das Gentes da Serra, “Associativismo Regionalista” , os eventos regionalistas, financiamento da actividade regionalista, “Os caminhos do sucesso e a construção da notoriedade”, “Novas imagens da Serra”: evolução e funcionalidade das estruturas associativas, o problema da Regionalização e do Regionalismo, o futuro do Regionalismo e, baseando-se em documentos (com vasta bibliografia) o dia a dia de um movimento que teve como pontos fulcrais as comissões, ligas e uniões de melhoramentos, etc. Releva as actividades em Lisboa da Casa da Comarca de Arganil e das Casas dos Conselhos da Pampilhosa da Serra e de Góis.

E é ao falar do Movimento Regionalista que a escritora Maria Beatriz Rocha-Trindade sinalisa o futuro: após as obras realizadas, a partir da 2ªdécada do século XX, acrescenta: “Aquilo que no passado poderia por algumas pessoas ser considerado apenas como acessório ou lateral passou a ter duas funções principais, nitidamente Diferentes uma da outra: por um lado, visar a melhoria da qualidade de vida dos mais idosos, quer os residentes nas aldeias quer aqueles que a elas regressarão após a reforma; por outro, criar atractivos às populações mais jovens, tanto os residentes como os visitantes por ocasião de férias, além de proporcionar às crianças e jovens o gosto de estar na terra dos seus ascendentes.”

Não menos significativas são as interpretações sobre o Regionalização e o Regionalismo: “A criação (ou não) de Regiões Administrativas (…) foi submetida a referendo em 1998 e, nesse processo, foi rejeitada”. E diz ainda: “O conceito de Regionalismo, pelo contrário, nada tem a ver com a criação de Regiões Administrativas ou com a organização dos poderes do Estado. É (…) um sentimento que resulta da iniciativa da sociedade civil, logo de natureza estritamente não-governamental.”

É muito valiosa a contribuição da Profª. Drª. Maria Beatriz Rocha-Trindade ao salientar a importância do Movimento Regionalista dos 3 concelhos, até porque não tem similar em Portugal, nem sequer nos outros municípios da Beira-Serra, embora se trate de uma área empobrecida e em fase de desertificação, mas, por isso mesmo, não deve ser ignorada pelos poderes públicos, antes pelo contrário. Porém, essa é outra história… e vamos limitar-nos, por agora, ao registo das informações reunidas pela autora de A Serra e a Cidade, sublinhando que, salvo erro, somente no município de Arganil existem 59 entidades regionalistas, outras 48 em Góis e 63 na Pampilhosa da Serra. O total é impressionante: 170 associações regionalistas!

A estudiosa oferece dados sobre as datas de fundação: 3 no período da I República, 4 nos anos da ditadura militar (1926-1930) e na época do Estado Novo foram implantadas mais 42 associações e mais 4 (no período de 1960 a 1974), além de outras 6 após 1974. Aliás, os governantes de ontem e de hoje pouco se têm empenhado pelo progresso das vilas e aldeias. Infelizmente, não dispomos dos dados que permitam identificar os gastos governamentais nos anos ditatoriais e depois de 1974.

No capítulo da “Construção e Notoriedade”, a Directora do Centro de Estudos das Migrações e das Relações Interculturais da Universidade Aberta aponta, “entre os filhos da Serra”, o Professor António Nogueira Gonçalves, que tanto contribuiu para prestigiar os intelectuais da Beira-Serra, mas certamente que o tempo e o espaço não lhe permitiram enumerar os inúmeros Mestres Universitários oriundos da Beira-Serra (são em torno da cinquentena desses Beirões que constam da Memória Professorum Universatatis Conimbrigensis de 1290 a 1937).

A autora do livro A Serra e a Cidade cita também entre os estadistas ligados à região o Prof. Dr. Marcello Caetano e na lista poderiam figurar José Dias Ferreira, António José de Almeida e outros, ao passo que na Literatura jamais poderão ser omitidos Brás Garcia Mascarenhas, Visconde de Sanches de Frias, José Simões Dias, António Francisco Barata, Alberto da Veiga Simões e o historiador António Gonçalves Matoso (e seu filho José Matoso), merecendo ser ainda lembrados, entre os contemporâneos, a-par dos pintores Guilherme Filipe e Augusto Nunes Pereira, os escritores António de Vasconcelos e José V. de Pina Martins, ao lado do poeta Vasco de Campos. E o poeta D. Luís da Silveira com mais de duas dezenas de poesias seleccionadas por Garcia de Resende para o Cancioneiro Geral?

Como figura ímpar da Religião é mencionado D. Eurico Dias Nogueira, Arcebispo Eméritode Braga e escritor de grandes recursos; de resto, mais uma dezena de Bispos “da terra”poderiam ser apontados em Arganil (já biografamos 6 deles), de Seia e de outros municípios da nossa Serra, bem como alguns intelectuais, cientistas e artistas que nasceram ou estiveram ligados à região (o Dicionário de Autores da Beira-Serra inclui perto de 300 verbetes!)

Por tudo isto se deduz que será necessário consultar, futuramente, A Serra e a Cidade, de Maria Beatriz Rocha-Trindade, que nos oferece uma ampla visão do Movimento Regionalista nos Municípios de Arganil, Góis e Pampilhosa da Serra.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

O Sebastianismo do Conselheiro


Os paralelos que possam estabelecer-se entre a série de textos jornalísticos e Os Sertões são evidentes, apesar de haver pormenores do repórter que não foram repetidos na obra literária – um dos mais importantes clássicos das Letras Brasileiras.


A reportagem não entro, porém, na análise da influência que Antonio Conselheiro recebeu, inequivocamente, do Sebastianismo , que pairou igualmente sobre outros místicos brasileiros (um estudo que ainda não se fez, apesar de numerosas aproximações, tanto no Brasil como em Portugal). No entanto, o escritor de Os Sertões fala claramente desse misticismo que tão profundamente é guardado pelo espírito lusíada.

Euclides da Cunha comenta essa ligação dos dois povos atlânticos e documenta-a expressicamente no seu livro principal:


“E no meio desse extravagante adoidado, rompendo dentre o messianismo religioso, o messianismo da raça levando-o `insurreição contra a forma republicana:

Em verdade vos digo, quando as nações brigam com as nações, o Brazil com o Brazil, a Inglaterra com a Inglaterra, a Prússia com a Prússia, das ondas do mar D. Sebastião sahirá com todo o seu exército e o restituio em guerra.

"Desde o princípio do mundo que encantou com todo seu exército e o restituio em guerra.

E quando encantou-se afincou a espada na pedra, ella foo até aos copos e elle disse: Adeus mundo!

“Até mil e tantos e dois mil não chegarás!

“Neste dia quando sahir o seu exército tira a todos no fio da espada deste papel da República. O fim desta guerra se acabará na Santa Casa de Roma e o sangue hade ir até á junta grossa…”


Intervém Euclides da Cunha para completar:


“O profetismo tinha, como se vê, na sua boca, o mês,o tom com que despertou em Frigia, avançando para o Ocidente. Anunciava, idêntico, o juízo de Deus, a desgraça dos poderosos, o esmagamento do mundo profano, o reino de mil anos e suas delícias”. E Euclides vai mas longe ao indagar: “Não haverá, com efeito, nisto, um traço superior de judaísmo?”


É com base nas trovas Sebastianistas da época que Euclides reproduz algumas delas:


“Sahiu D. Pedro segundo

Para o reyno de Lisboa

Acabou-se a monarquia

O Brazil ficou atoa!


E atacava os incréus:


Garantidos pela lei

Aquelles malvados estão,

Nós temos a lei de Deus

Elles tem a lei de cão!”


Bem desgaçados são elles

Pra fazerem a eleição

Abatendo a lei de Deus

Suspendendo a lei do cão!”


Casamento vão fazendo

São para o povo illudir

Vão casar o povo todo

No casamento civil.”


E logo cantam os trovadores a pregação de Antonio Conselheiro:


“Dom Sebastião já chegou

E traz muito regimento

Acabando com o civil

E fazendo o casamento!”


“O Anti-Christo nasceu

Para o Brazil governar

Mas ahi está o Conselheiro

P’ra delle nos livrar!”


“Visita vos vem fazer

Nosso El-Rei D. Sebastião

Coitado daquelle pobre

Que estiver na lei do cão!”


A-par da sua permanente pregação, eram distribuídos em toda a parte os tradicionais folhetos de cordel, que ainda hoje circulam pelo Brasil, em especial no Nordeste, versos em que os militantes de Antonio Conselheiro difundiam os seus propósitos. Aliás, outros autores têm estudado o Sebastianismo no Brasil, relevando-se dois romances, a título ilustrativo: Pedra Bonita, romance de José Lins do Rego, e A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta, de Ariano Suassuna, que ficcionou a existência de cinco “Impérios Sebastiânicos” no Brasil, com vários reis, um dos quais foi degolado pelos vassalos que descobriram a farsa, mas nas lutas entre eles morreram cerca de 140 pessoas (em Portugal, também apareceram diversos “Reis D. Sebastião” e alguns acabaram na cadeia ou foram condenados à morte).


Escritores portugueses de mérito estudaram seriamente o problema do Sebastianismo, lembrando-se os nomes do historiador João Lúcio de Azevedo, de Antonio Machado e de António Quadros, devendo figurar também nesta lista o folclorista brasileiro Luís da Câmara Cascudo e a pesquisadora Maria Isaura Pereira de Queiroz, que se pronunciou deste modo: “Anteriormente ao aparecimento de movimentos messiânicos propriamente ditos, existiu no Brasil uma crença proveniente de Portugal, o Sebastianismo, que mais tarde chegou a servir de base para pelo menos dois movimentos (…) – o da Cidade do Paraíso Terrestre e o da Pedra Bonita”.

Porém, o mais ilustre defensor do Sebastianismo foi o Padre António Vieira (a seu modo, é claro), conforme referenciamos no livros Temas Luso-Brasileiros (1963) e Pe. António Vieira, Profeta do Novo Mundo (1, bem como em Congressos e artigos.E oportuno será apontar a breve mas significativa menção de Fernando Pessoa: “À memória de Antonio Conselheiro, bandido, louco e santo, que, no sertão do Brasil, morreu, como um exemplo, com seus companheiros, sem se render, batendo-se todos, últimos Portugueses, pela esperança do Quinto Império e da vinda quando Deus quizesse, de El-Rei D. Sebastião, nosso Senhor, Imperador do Mundo. (in Pessoa Inédito, pref. e org, de Teresa Rita Lopes).

Merece esta citação vir antes do remate final de Euclides da Cunha, n’Os Sertões: “Canudos não se rendeu. Exemplo único em toda a História resistiu até o esgotamento. Expugnado palmo a palmo, na precisão integral do termo,caiu no dia 5, ao entardecer. Quando caíram os seus últimos defensores, que todos morreram; Eram 4 apenas: um velho, dois homens feitos e uma criança, na frente dos quais rugiam raivosamente cinco mil soldados.”

terça-feira, 13 de outubro de 2009

“OS SERTÕES” de Euclides da Cunha e o Sebastianismo de António Conselheiro


Com aproximação do centenário da morte de Euclides da Cunha (19 de Agosto de 1909) impõe-se nova leitura da reportagem de Canudos e do livro Os Sertões.

Recorda-se que a viagem foi realizada por sugestão de Júlio Mesquita, diretor de O Estado de S. Paulo, após a publicação neste jornal dos 2 artigos de Euclides sobre A nossa Vendéia (em 14 de Março e 17 de Julho de 1897), estabelecendo paralelos entre a insurreição dos “vendéanos” (1793 a 1796), que combateram os excessos da Revolução Francesa, reprimindo as atividades religiosas. No caso do Brasil, era o combate republicano aos monarquistas.

Neto do comerciante português Manuel da Cunha e filho do também comerciante Manuel Rodrigues Pimenta da Cunha e de D. Eudóxia Moreira, o futuro militar, engenheiro e escritor nasceu em 20 de Janeiro de 1866 numa fazenda de Cantagalo (Rio de Janeiro) e morreu em Piedade (RJ) no dia 15 de Agosto de 1909, mas foi com os artigos comparando os acontecimentos da Vendéia e de Canudos (no Vale do Iripiranga ou Vaza-Barris) que começou verdadeiramente a sua carreira literária.

Euclides salientava que Canudos albergava “a horda dos fanatizados sequazes de Antonio Conselheiro, o mais sério inimigo das forças republicanas” e citava a Vendéia, acrescentando: “A mesma coragem bárbara e singular e o mesmo terreno impraticável aliaram-se, completaram-se. O chouan fervorosamente crente (dos vendeanos) ou o tabaréu fanático, precipitando-se impávido à boca dos canhões que tomam a pulso, patenteiam o mesmo heroismo mórbido numa agitação desordenada e impulsiva de hipnotizados”.

No 2º. artigo, Euclides comenta a “notícia do lamentável desastre” sofrido pelos militares que haviam enfrentado “a horda dos fanatizados sequazes de Antonio Conselheiro” e compara o “desastre” aos suportados pela Inglaterra, França e Itália ou pela Espanha no combate aos insurretos de suas colônias, no início do século XIX e aguardava \a vitória das tropas da República, “quando forem desbaratadas as hordas fanáticas do Conselheiro. Não foi tanto assim… mas as informações de Euclides levaram Júlio Mesquita a convencê-lo a fazer a reportagem sobre o fenômeno de Canudos e no dia 7 de Agosto de 1897 ele escrevia a primeira crônica, ainda a bordo do vapor “Espírito Santo”, pelo qual chegara a Salvador (“O Estado”, 18-8-1897). E mais uma trintena de crônicas seriam divulgadas, a última das quais sob o título de “O Batalhão de São Paulo” (26-10-1897).

Em 10 de Agosto, o repórter escrevia de Salvador: “A opinião geral, entre os combatentes que voltam, é que estamos no epílogo da luta.” E em 12 de Agosto falava do regresso dos feridos, dando outros pormenores dos combate e em 13, 15, 16, 18, 19, 20 e 21. Somente em 1º. de Setembro seguiu para a “frente” do conflito, informando de Queimadas: “o dia esgota-se em preparativos de viagem”, mas voltou a escrever da mesma povoação no dia 4 e, no mesmo dia, enviou carta já de Tanquinhos. A 5 deu notícias de Cansação e, nesse dia, escreve de Quirinquinquá e, em 6, 7, 8, 9, 10 e 11 de Monte Santo, dizendo que no dia 10 já avistara “o imenso arraial de Canudos”, sublinhando: “Dois meses de bombardeio permanente não lhe destruiram a metade sequer das casas (…) E olha-se para a aldeia enorme e não se lobriga um único habitante.”

A narrativa prosseguiu em 24, 26 e 27 e adiantou que nesta última madrugada a fuzilaria tinha durado 2 horas e meia, adiantando que desde as 9 da noite houvera mais tiroteio até às 9 da manhã seguinte. No dia 29 de Setembro, mais tiros. E em 1º. de Outubro ‘”foi ordenado o assalto” às posições do Conselheiro, esclarecendo: “A noite desceu serenamente sobre a região perturbada do combate e rasgando o seio da noite, caindo, insistentes, sobre todos os pontos da linha do cerco, sibilando em todos os tons, sobre o acampamento, inúmeras, constantes, da zona reduzida em que se encontravam os jagunços, irrompiam as balas”. E com estas palavras Euclides da Cunha fecha a reportagem.

Bibliografia Euclidiana:

Os Sertões (1902), Relatório da Comissão Mista Brasileiro-Peruana de Reconhecimento do Rio Purus (1906), Castro Alves e seu Tempo (1907), Peru versus Bolívia (1907), Contrastes e Confrontos (1907), À Margem da História (1908), Canudos (Diário de uma Expedição, 1939), Discurso de Recepção na Academia Brasileira de Letras (em Obras Completas, 1966).