sexta-feira, 11 de março de 2011

Temas Beirões: JOÃO BRANDÃO E O PAPEL POLÍTICO QUE TEVE NA GUERRA CIVIL DA BEIRA (1832-1834)


Disse Fernando Pessoa que “o mito é o nada que é tudo” e esta definição pode aplicar-se à lenda que surgiu em torno da vida de João Victor da Silva Brandão (1825-1880).

Na verdade, o mito surge e alastra a partir de uma “história de fundo lendário” que se desenvolve desde criança e por vezes vai até à idade adulta, conforme sustenta Fernando Ilharco: “a tendência constitucional para a mentira, para forjar acontecimentos imaginários (fabulação) e para simular estados orgânicos anormais simulados. É uma disposição muitas vezes hereditária e mais freqüente na mulher”

Entretanto, deixemos o mito e recordemos que João Victor nasceu e cresceu num ambiente que vai desde a participação do seu pai nas lutas liberais que assinalaram o cerco do Porto até à actividade guerrilheira travada pelos beirões (que na maioria dos casos terão sido contrários ao autoritarismo do Rei D. Miguel). E se ultrapassarmos o tempo, teremos de convir que havia guerrilheiros de ambos os lados – e não de um só! Não obstante, a lenda formou-se preferencialmente em torno de João Brandão, como se os tiros não fossem também disparados pelos miguelistas, apesar de serem conhecidas às violências desferidas contra inúmeros liberais, de acordo com os testemunhos daqueles que sobreviveram à tragédia que abalou quase toda a região, com destaque para a Beira-Serra. E da profusa documentação em jornais e revistas destacamos agora o volume “Apontamentos da vida de João Brandão por ele escritos nas prisões do Limoeiro envolvendo a História da Beira desde 1834”

Para lá das informações do autor, que descreve os acontecimentos que viveu de perto, salientamos a “Relação dos ferimentos e mortes praticados na Província da Beira, desde 1834”: foram 235 mortos, incluindo 21 abatidos pelas forças da ordem (militares e guardas civis), além de 13 sacerdotes e seus familiares, bem como 6 assassinatos atribuídos à guerrilha de Agostinho Vaz Pato e de muitos outros pequenos grupos e pessoas, nalguns casos identificados. De um lado, aponta-se a cooperação das “forças da ordem” absolutistas e, paralelamente, a violência contra os padres, vários dos quais estiveram presos em virtude das suas idéias liberais.

Deduz-se de todos estes esclarecimentos que as intervenções de João Brandão não foram as de um bandido vulgar, mas, sim, as de um político militante, que seguiu o liberalismo de seu Pai, combatendo sempre o autoritarismo absolutista; Se cometeu os excessos dos guerrilheiros, os dos miguelistas não foram menores, embora “o mito que é tudo” haja resvalado para o defensor da Rainha (que nunca deixou de apoiar os beirões liberais).

Segundo revela o professor José Manuel Sobral, que prefaciou a 2ª.edição dos

Apontamentos da vida de João Brandão”, o “mito” que beneficiou os adversários de João Victor da Silva Brandão era romântico, porém falso, mas vingou ao ponto de se transformar numa espécie de “hino” dos cantores cegos e provincianos de Lisboa e de aldeias, anunciando os “crimes” de J. B. e a sentença injusta do tribunal de Tábua que o condenou ao degredo em Angola (o júri era formado por um Vaz Pato e por diversos inimigos políticos). E o mito virou lenda, que também nós escutámos em criança, sem entender as origens da tragédia da guerra civil da Beira-Serra).

Muito mais é preciso contar e documentar acerca do liberal indomado de Midões. Insisto neste ponto para honrar a memória do meu avô paterno (que era “midoense” e nada teve com a ideologia de João Brandão), mas insurjo-me contra o julgamento inadmissível de quem o condenou ao degredo, sabendo que até em Angola foi ilegalmente perseguido e roubado, à sombra de um absolutismo ditatorial. Assassinado covardemente por um militar criminoso, depois de morto degolaram-no e mandaram a cabeça ao governador ignóbil...

Acusado pelos miguelistas retardados, os povos de Catumbela (entre o Lobito e Benguela) ergueram-lhe um rústico monumento do jardim público, agradecendo não só a fundação da importante Companhia Agrícola Cassequel, mas também as condições de trabalho dos seus colaboradores. Há cerca de trinta anos visitei esse jardim público – com o Padre e jornalista José Vicente - e fui agradavelmente surpreendido com a existência do monumento em memória de João Brandão: havia um resguardo de vidro com dezenas de cartas de admiradores anônimos exaltando as qualidades de trabalho e de apoio recebidas do benfeitor de Midões.

quinta-feira, 10 de março de 2011

Brasil: A DIVULGAÇÃO DA CULTURA PORTUGUESA ATRAVÉS DAS ASS0CIAÇÕES LUSO-BRASILEIRAS


Com cerca de 170 agremiações espalhadas por todo o vastíssimo território brasileiro, o papel que têm cumprido na divulgação da Cultura Portuguesa ainda não foi devidamente avaliado pelos especialistas nem tão pouco pelos governantes dos dois paises que costumam atravessar o Atlântico mais pela devoção turística do que ao serviço dos reais interesses de Portugal e Brasil.

As associações lusobrasileiras, cujo pioneirismo foi inaugurado pelo Real Gabinete Português de Leitura, em 1837, no Rio de Janeiro, têm feito mais pela Cultura Portuguesa do que todos os políticos seja ele qual ele for. Num passado já remoto, lembramos dois estadistas portugueses que tentaram estimular a aproximação de Portugal e Brasil - o Rei D.Carlos, que preparava a sua visita quando foi barbaramente assassinado, juntamente com o filho mais velho, e o Presidente da República, António José de Almeida, que em 1922 veio participar das comemorações do centenário da independência. E os outros reis e presidentes que fizeram – e neste capítulo incluímos os dirigentes dos dois lados, perguntamos o que é que eles fizeram para que portugueses e brasileiros possam unir-se na construção de um futuro comum. Que responda quem souber!

Às associações de espírito lusíada no Brasil já devemos bastante assim como ressaltamos alguns intelectuais e artistas lusos, entre os quais apontamos as obras de Hipólito José da Costa, João Lúcio de Azevedo, Raphael Bordallo Pinheiro e dos contemporâneos Gilberto Freyre, Jaime Cortesão, Pedro Calmon, Ferreira de Castro, Miguel Torga, Serafim Leite e de tantos outros!

Do ponto de vista associativo, o Clube Português passou a ter, desde 1920, uma posição de relevo, no plano cultural, mas, nos últimos decênios anos, foi dos que mais se ressentiu, em São Paulo, da queda do surto emigratório e apenas na presidência de Rui Mota e Costa a crise econômico-financeira foi debelada. Uma nova fase cultural começou em 2010 com a mesa - redonda, coordenada pela escritora Teresa Rita Lopes (da Universidade Nova de Lisboa) e a participação de professores e escritores brasileiros e portugueses, em torno de “As idéias políticas de Fernando Pessoa”, desmentindo que o poeta da Mensagem fosse um mero seguidor do regime fascista. E não o foi, conforme revelaram os documentos do livro Fernando Pessoa, Salazar e o Estado Novo, assim como as conclusões do debate (em 14-7-2010), no Clube Português, nas comemorações, no Brasil, do 75º aniversário da morte de criador dos heterônimos.

Um livro foi lançado – 90 anos do Clube Português, sob a coordenação do Centro de Estudos Luís de Camões (órgão cultural da entidade), e nesse volume de 160 páginas reunimos os principais episódios da história da agremiação luso-paulistana, desde 1920 até hoje. Foram recolhidos depoimentos daqueles que têm acompanhado a vida associativa e vão continuar a fortalecê-la enquanto puderem. O volume reúne dezenas de manuscritos e fotografias dos fundadores e colaboradores dos principais acontecimentos, testemunhando o muito que fizeram pela dignificação cultural da Nação Portuguesa no Brasil e da receptividade da acção que tiveram e que ainda cumprem no país irmão. Por fim, vale a pena ressaltar que o espírito lusíada do Clube Português de São Paulo tem como símbolos os dois maiores poetas de Portugal de ontem e de sempre - Luís de Camões e Fernando Pessoa!

terça-feira, 1 de março de 2011

TERRAS DA BEIRA SERRA

Sacerdote, artista plástico, poeta, historiador, folclorista e ensaísta, Monsenhor Augusto Nunes Pereira foi um dos mais notáveis intelectuais contemporâneos da Beira Serra. A sua obra é vasta e do melhor nível cultural.

Desenhador, gravador e pintor, realizou numerosas exposições de arte em Portugal, no Brasil e no Luxemburgo, ao mesmo tempo que foram divulgados dezenas de trabalhos em inúmeros periódicos, com relevo para “A Comarca de Arganil”, “Correio de Coimbra”, “Jornal de Arganil”, revistas “ Mensageiro de Santo António” e “Arganilia” (que lhe dedicou uma edição especial), etc. E, entre outras obras consagradas ao Padre-Artista de Mata de Fajão, assinalamos os volumes Monsenhor Nunes Pereira – o percurso de uma vida (por Maria da Conceição Oliveira e José Maria Pimentel), Encontro com Poetas e um Artista / Mons. Nunes Pereira (por Mário Simões Dias) e O vitral da Ressurreição da Igreja Paroquial de São José de Coimbra (por Marco Daniel Duarte).

Para lá das pessoas, o pintor fixou igualmente montes e vales, santos e anjos, rios e árvores dos lugarejos, aldeias e vilas, enfim tudo o que dá à Beira as suas características inconfundíveis que o artista não se cansou de desenhar e pintar, na pedra, na madeira, no cobre ou ferro. Não sabemos de ninguém que tenha ido tão longe, recriando as gentes e paisagens das nossas terras que parecem não ter fim. Tudo o interessou e continua a interessar-nos, quer estejamos perto ou aos milhares de pessoas que partem do país natal e que ainda vivem com as imagens da sua terra nos olhos e no coração: as imagens e os sentimentos são tão reais como se estivéssemos no meio dos pinhais, olivais e vinhedos, rios ou nos caminhos perdidos nos montes.

As paisagens cheias de vida de Nunes Pereira são aquelas que permanecem sempre dentro de nós – e por isso as fomos guardando e colecionando. Assim fiz eu e assim fez Nuno Mata que buscamos os traços do artista até que decidimos reuni-los e recordá-los num livro que poderemos reviver ao longo dos anos.

O álbum Terras da Beira Serra junta uma boa cinquentena de ilustrações e quem sabe poderá ser aumentado, um dia, se nos for possível descobrir mais algumas que permanecem dispersas, mas as que são agora reimpressas dão uma idéia segura da Beira voltada da Estrela para Coimbra e admitimos que se trata de uma perspectiva ampla. São visões humanas e da Natureza, redescobrindo a História da região através das obras de arte, dos templos e monumentos, os ricos solares e as casas rústicas da nossa terra. Os costumes e as lendas estão também presentes nos homens e mulheres. Redescobrem-se os Santuários do Montalto e da Senhora das Preces, a capelinha longínqua do Colcurinho e de outros lugares sacros, por todos amados e poetizados, relevando-se a beleza dos rios Alva e Ceira, assim como das ribeiras e dos ribeirinhos, dos matos indevassáveis e das múltiplas flores silvestres que enfeitam os caminhos, os chafarizes e fontenários, as igrejas e capelas quase escondidas nas montanhas, os frutos saborosos dos castanheiros, macieiras e pereiras, pessegueiros e figueiras, uvas, etc., etc.

O pintor A. Nunes Pereira faz-nos reviver as estações do ano, recorda as mulheres, os meninos e os homens, desenhando como se compusesse música, cantando-nos as modinhas simples e harmoniosas da nossa infância, reproduzindo o vento e a chuva, o frio e o sol beirão, as festas e romarias, as danças e os cantares que já não se vêem nem escutam. Mas o que pertence ao passado permanece vivo nos desenhos, gravuras e pinturas das terras da Beira Serra. É como se relêssemos as poesias de Brás Garcia Mascarenhas, D. Luís da Silveira, de Simões Dias, do Visconde Sanches de Frias ou de Vasco de Campos e do próprio Nunes Pereira.

Nos versos dos nossos Poetas e nas pinturas do sacerdote que veio da Mata de Fajão devem ser admiradas as vilas e aldeias da nossa Terra e é por isso que dizemos que nas Terras da Beira Serra estão as raízes e a eternidade do nosso passado, cada vez mais presente e na esperança do amanhã. Abrindo os olhos, ficaremos deslumbrados com as ilustrações que ele recriou para testemunhar a vida dos nossos ancestrais e dos que hoje a continuam e hão de perpetuar-nos no futuro.

(*) Escritor português há muitos anos radicado no Brasil, João Alves das Neves é co-autor (com Nuno Mata) do álbum Terras da Beira-Serra, que será lançado em breve.