Conheci António Quadros muitos anos antes de o conhecer – os primeiros trabalhos que li dele foram talvez os artigos que publicava nos jornais, creio que no Diário Popular, o excelente vespertino ao qual dei assídua colaboração, assim como a O Primeiro de Janeiro. Confesso que já não sei qual terá sido o primeiro que li dele, mas os seus estudos que mais me aproximaram dele – embora à distância - foram aqueles que publicou sobre Fernando Pessoa., entre os quais saliento Vida, Personalidade e Génio do Poeta da Mensagem.
Li quase todos os seus livros e desde sempre me despertou a diversidade cultural da sua acção. Admito, porém, que me preocupavam os seus laços com certas figuras do regime político, que eu não aceitava. Mais tarde, verifiquei o meu engano em relação a António Quadros - nunca discutimos política e concluí que estávamos mais próximos um do outro do que eu pensara. Nem eu nem ele tínhamos pretensões políticas, ainda que tivéssemos opiniões próprias, apesar de me considerar sempre adverso das ditaduras.
A explicação é necessária num mundo cada vez mais fanatizado pelos partidos. Contudo, o que mais me aproximou de António Quadros foi o seu fervor pelos mil e um aspectos da Cultura Portuguesa. com relevo para as relações entre os 8 paises de idioma comum, perfeitamente caracterizados nos seus artigos e livros. É claro que um dos nossos temas ´preferidos foi a obra de Fernando Pessoa, mas os seus comentários sobre o diálogo cultural luso-brasileiro despertaram-me o maior interesse.
Em 1988, coordenamos na Academia Paulista de Letras, em São Paulo, o I Encontro de Estudos Pessoanos, do qual participaram destacados ensaístas brasileiros e portugueses, assinalando, entre outros, João Gaspar Simões, Teresa Rita Lopes e António Quadros, conforme ilustra a revista cultural Comunidades de Língua Portuguesa (agora, com 22 volumes publicados!). Foi no decurso desse diálogo lusíada que da admiração intelectual passamos à amizade.
Certa vez, fomos Lisboa e recebemos convite para uma reunião em casa da escritora Fernanda de Castro - e lá fomos encontrar um admirável grupo de escritores e artistas de vários sectores, incluindo alguns discordantes (como nós) do fascismo ainda em vigor. Recordo que um escritor que mais ou menos me conhecia estranhou a minha presença – e eu disse que viera sem preconceito, por se tratar de um encontro de artistas e intelectuais...certamente nas condições em que ele comparecera; No fundo, a reunião foi para conversar sobre artes e letras.
Mais tarde, ainda escutaria a voz de D. Fernanda de Castro quando, por telefone, lhe pedi para dizer algo sobre a sua presença em São Paulo, em 1922, meses após a Semana de Arte Moderna. Não tive resposta ao meu pedido, mas a capa de Ao fim da Memória (II volume) traz um retrato da grande pintora do modernismo brasileiro Tarsila do Amaral – cuja cópia chegou às mãos de António Quadros por meu intermédio – em 1962 gravei um depoimento da artista plástica e foi-me mostrado esse retrato (estava à venda por 70 mil cruzeiros!), que veio a ser comprado pelo Governo do Estado de São Paulo e que fui rever na residência estadual de veraneio paulista de Campos do Jordão – pedi uma fotografia que enviei ao amigo Quadros. (Há mais um retrato Fernanda de Castro, pintado por Anita Malfatti – a outra musa do modernismo no Brasil) e tenho o projecto de consagrar às duas pintoras um comentário, pois trata-se do testemunho da ligação de Fernanda de Castro e António Ferro (em 1922) com os “futuristas” brasileiros.
Voltando, porém, a António Quadros, observa-se que na sua obra são constantes as referências, conforme testemunham os livros Poesia e Filosofia do Mito Sebastianista (com uma oportuna digressão pelo Sebastianismo Brasileiro), O Projecto Áureo ou o Império do Espírito Santo; Memória das Origens, Saudade do Futuro; Portugal, Razão e Mistério; A Idéia de Portugal na Literatura Portuguesa dos Últimos 100 Anos, O Romance Brasileiro Actual e, sobretudo, as aproximações sugeridas em Fernando Pessoa/ vida. Personalidade e génio.
Alguns pesquisadores e professores brasileiros começaram já a freqüentar a Fundação António Quadros (cujo acervo reúne também vasta documentação das obras de Fernanda de Castro e António Ferro, pais de A. Q. - e tudo leva a esperar que a Instituição, fundada há cerca de um ano em Lisboa possa contribuir valiosamente para a aproximação das Culturas Portuguesa e Brasileira.
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