domingo, 13 de dezembro de 2009

O MENINO JESUS DO SENHOR DA LADEIRA E OS OUTROS MENINOS DE NATAL


Um dos mais belos Meninos Jesus de Natal é, para o meu gosto e para o meu coração, o do Senhor da Ladeira, que fica no Mont’Alto de Arganil. Porém, há muitos outros que estão em inúmeros livros, jornais ou revistas que consideram os Meninos Jesus revividos na quadra de Natal.

Na verdade, o Pai Natal importado dos países do Norte europeu funcionam cada vez mais como marcas registadas do comércio (não que sejamos contrários às vendas, pois entendemos que os lucros comerciais devem ser aceitáveis quando razoáveis e resultam de um investimento correcto). Aliais, a especulação financeira foi condenada por Jesus. Quer dizer, a história é diferente da que pretendemos contar – o Menino Jesus de todos os Natais.

Há um Menino Jesus da Cartolinha que também é constantemente reproduzido: já o vimos na Sé Catedral de Miranda do Douro e, por mais simpático já é grandão, se o compararmos ao do Senhor da Ladeira, no Mont’Alto, um verdadeiro amor de Jesus. E recordo igualmente o Menino conhecido por “O Capitãozinho”, explicado pelo Pe. J. Quelhas Bigotte, na excelente Monografia da Vila e Concelho de Seia (História e Etnografia, 2ª. edição).

Diz-nos o Pe. Quelhas Bigotte que o popular “Capitãozinho” apareceu no convento de Vinhó, onde a Sóror Baptista do Céu Custódio (a “Tia Baptista”) “imaginou o Menino Jesus vestido com trajes de maior gala e, como um dia visse um ofical general, concebeu logo a i´deia de vestir o seu Menino Jesus com a farda de Capitão dos exércitos”. E logo o Povo começou a cantar:

“Lá numa encosta cimeira
Da serra mais altaneira
Das armas de Portugal,
Mora, vizinho dos céus.
Um Jesus,Menino e Deus,
Cavaleiro e general.”

Os escritores Joaquim de Montezuma de Carvalho, José Caldeira e Nuno Mata, publicaram artigos sobre esta lenda religiosa que continua a espalhar-se pela nossa Beira-Serra acerca deste Menino inigualável, acerca do qual Aquilino Ribeiro fez O Livro do Menino-Deus e Miguel Torga escreveu 22 poemas de Natal. E talvez se referissem os nossos Meninos Jesus da Beira se os conhecessem todos, pois se o primeiro nasceu na Beira e o outro andou por ela, de Seca e Meca aos Olivais de Santarém (com certeza passaram pela cordilheira da Estrela...)

Muito mais diríamos se tivéssemos tempo e espaço, mas voltemos ao Menino Jesus da Ladeira de Nossa Senhora do Mont’Alto (de que guardamos a imagem de um calendário que mandei emoldurar), pois ainda tenho de referir as três crônicas que a escritora Regina Anacleto publicou na (já) antiga “Comarca, em 1991: “As imagens do Menino Jesus, também denominadas de vestir, começaram a aparecer em Portugal no século XVI e vulgarizaram-se no seguinte, mas a sua difusão encontra-se relacionada com o movimento da reforma católica, surgida depois do Concílio de Trento”.

Não obstante a primitiva imagem do Menino do Senhor da Lareira foi um galante rapaz, vestido à portuguesa. que vimos pela primeira vez num belo estudo do então jovem Alberto da Veiga Simões, na revista “Ilustração Portuguesa” (em 1906), retrato que Regina Anacleto também reproduziu no seu 3º. texto sobre o Menino Jesus da Ladeira. E de acordo com a historiadora arganilense a figura do rapaz espigardote terá sido substituída por uma roupa lusíada do Menino Jesus.

Entretanto, subsiste a lenda de que, após as violências dos franceses, quando se aproximaram de Arganil os segundos invasores uma devota mulher do povo prometeu “revestir” o Menino com um traje “à Napoleão” em desafronta aos inimigos, ladrões, incendiários e assassinos. E eles passaram ao largo, felizmente, e o nosso Menino Jesus afastou igualmente de Arganil os terceiros invasores, e ainda hoje continua de pé, sorridente, alegre e parece que irônico, bonito, com seu bastão de comando e o símbolo do poder do mundo em suas mãos.

DIÁLOGO COM O ESCRITOR JOÃO ALVES DAS NEVES

Entrevista concedida ao “Portal Galego”, solicitada por José Carlos, correspondente no Brasil do “Portal”.

1. Quando foi fundada e quais os objetivos da Revista “Lusofonia”?


Estamos na Internet desde o início de 2009 com os blogs www.joaoalvesdasneves.blogspot.com e www.revistalusofonia.wordpress.com, com assinalando que este ultimo tem a colaboração de brasileiros e portugueses que comentam os mais diversos temas, desde as artes & letras à economia, política, etc. E a nossa pretensão é dar notícias e comentários corretos aos Internautas de Portugal e do Brasil, Angola e Moçambique, Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé-e-Príncipe, Timor e outros núcleos que falem e escrevam o idioma português.

2. Com relação ao Acordo Ortográfico, já vigorando no Brasil, mas ainda sofrendo grande resistência, principalmente em Portugal. Em sua opinião, o que é necessário para que todos os paises adotem o Acordo?

Nada mais do que cumprir as propostas dos lingüistas e assinadas pelos respectivos Governos! Por que é que os discordantes de hoje não protestaram antes?

3. Quais são os pontos positivos e negativos do Acordo Ortográfico?

Quantos estudiosos do nosso idioma serão contra? Ninguém sabe! Mas sabe-se que, por mais idôneos possam ser alguns dos contestatários, a maioria dos manifestantes não é capaz de explicar as suas discordâncias.

4. Caetano Veloso tem uma canção que diz: “A língua é minha pátria E eu não tenho pátria. E quero frátria (Língua - Editora Gapa). Em sua opinião, o Acordo Ortográfico conseguirá transformar o universo lusófono em uma grande frátria (pelo menos no sentido lingüístico?)


Creio que Luís de Camões e Fernando Pessoa preferiram a “Pátria” à “Frátria” agora sugerida por Caetano Veloso, mas também há quem recorra à “Mátria” – é uma questão de bom gosto desde que se prestigie a Língua Portuguesa!

5. Com relação à Galiza, região historicamente ligada à lusofonia, como é que ela pode ter maior participação na CPLP?

Na primeira reunião em torno da primeira versão do Acordo Ortográfico, realizada anos na Academia Brasileira de Letras (Rio de Janeiro) estiveram presentes alguns intelectuais galegos que propuseram a inclusão da Galiza, mas a sugestão não foi considerada porque todos os participantes representavam países – e não regiões. Admito que a mesma dificuldade ocorra no caso da CPLP, ainda que o problema mereça ser tratado sob o prisma cultural.

6. Como o Brasil pode auxiliar nesta inserção da Galiza na CPLP?

Confesso que não sei, mas entendo que o caso pode ser debatido na Imprensa, e por mim estou ao dispor para divulgar o que estiver ao meu alcance.

Estudioso de Fernando Pessoa, pediria que explicasse para os leitores, especialmente para os estudantes, dos primeiros ciclos, a importância de conhecer a obra do grande poeta.

A poesia, a ficção e os estudos pessoanos não são impenetráveis. Os professores podem explicar facilmente o espírito dessa obra; portanto, que a leiam, em primeiro lugar, assim como as interpretações de João Gaspar Simões, Adolfo Casais Monteiro, António Quadros, Jorge de Sena e outros ensaístas portugueses, brasileiros, espanhóis e franceses. Porém, tudo pode compeender-se, mas a leitura é indispensável.

7. Tendo lançado recentemente o livro Fernando Pessoa , Salazar e o Estado Novo, como definiu o pensamento político do poeta da Mensagem?

O meu propósito foi o de esclarecer, antes de mais nada, que o nacionalismo de Fernando Pessoa nada tem a ver com o “nacionalismo” de Antonio de Oliveira Salazar, que foi semelhante ao de Mussolini, Hitler e Stalin (cada um a seu modo). Confundiu-se o prémio que o poeta recebeu do governo salazarista com o regime. Deveria recusá-lo? Agiu muito bem o Poeta - e o tempo deu-lhe razão, porque chegou-se à conclusão de que a Mensagem nada tinha a ver com o regime. E pelos textos que juntei e comentei no livro Pessoa X Salazar conclui-se que Fernando Pessoa não poderia publicar, na época, o que pensava do ditador - a Censura não o permitiria. Os 5 poemas e os 17 textos em prosa são inequivocamente contra Salazar e tanto assim que o escritor foi ao ponto de declarar publicamente que não era possível escrever e publicar o que pensava.

Nota: O livro Fernando Pessoa, Salazar e o Estado Novo, da autoria de João Alves das Neves, e pode ser adquirido através da Livraria Alpharrábio (e-mail: alpharrabio@alpharrabio.com – telefone (11) 4438 4358 e custa R$ 20,00 (além das despesas do correio).

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Cultura Luso-Brasileira: Os dois principais focos do Instituto Histórico de São Paulo


Fundado em 1894, o Instituto Histórico e Geográfico é uma das principais instituições culturais Bandeirantes, cujas atividades destacam a promoção do patrimônio histórico, artístico, cultural e urbano-ambientais, assim como a preservação de tradições, valores cívicos e morais da Cidade e do Estado de São Paulo.

Desde os últimos anos do século XIX até hoje, a ação do Instituto é cumprida através de congressos, cursos, seminários, conferências, exposições e outros eventos ligados ao estudo da História e da Geografia, incluindo naturalmente a Literatura. além de distinguir os pesquisadores e autores que têm contribuído para o desenvolvimento científico e técnico do Brasil e de Portugal.

Inúmeros intelectuais portugueses têm dado a sua contribuição ao Instituto e foram ou estão ligados às manifestações históricas e culturais da entidade (o subscritor desta nota breve, por exemplo, é sócio honorário do IHGSP e o seu patrono é o escritor João de Barros, que fundou e dirigiu com João do Rio a revista Atlântida, cujo espírito foi a aproximação de Portugal e Brasil). Quer dizer, o contato dos intelectuais portugueses com o Instituto merece ser cada vez mais freqüente.

Preside ao Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo a historiadora Nelly Martins Ferreira Candeias, professora da Universidade de São Paulo e defensora dos valores culturais luso-brasileiras, pois, além das suas raízes portuguesas, é casada com o professor José Alberto Neves Candeias, que nasceu em Portugal e é também professor titular do Instituto de Ciências Biomédicas da USP. Formada em Ciências Sociais, a professora Nelly Candeias fez cursos complementares nos Estados Unidos e na Inglaterra, tendo vários estudos publicados em revistas especializadas do Brasil e de outros países.

Foi a primeira mulher eleita para a presidência do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo e está agora no seu terceiro mandato (de 2009 a 2012). Tem intensificado e atualizado as manifestações da instituição cultural paulista, que dá apoio a outros centros culturais e científicos e, entre as suas metas imediatas, assinala-se o estreitamento dos laços e a cooperação efetiva com a Comunidade Luso-Brasileira, pois considera que os 8 países de idioma português exigem um lugar de maior projeção no Mundo. Declara-se luso-brasileira, pois está ligada pelo coração e pelas raízes culturais ao Brasil e a Portugal (seu Pai foi um dos fundadores, em 1920, do Clube Português de São Paulo) e conclui o seu depoimento: “Lembrando as palavras de Fernando Pessoa (“Minha Pátria é a Língua Portuguesa”), prestigiaremos, na prática, não somente a nossa cidade (que é a maior do nosso mundo idiomático), mas também a nossa Comunidade (somos quase 250 milhões de pessoa, nos 8 países). Chegou a nossa vez – e o Mundo tem de ouvir a nossa voz lusíada!”

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

DIÁLOGO COM OS LEITORES

Nos últimos meses, foi irregular nossa colaboração, pois estivemos em Portugal, onde convidamos uma série de escritores e professores a colaborar no nosso Blog da revista “Lusofonia”, mas retomamos agora a nossa participação, começando por agradecer, aqueles que nos contataram e pedindo-lhes que continuem a honrar-nos com a sua colaboração. As nossas respostas serão resumidas e oportunamente faremos comentários mais esclarecedores, sempre que os julgarmos necessários.

Rita Tavares (São Paulo): Só agora pude ler a sua mensagem de 15 de outubro, pois estive 3 meses em Portugal. Tenho um outro texto de sua autoria e pretendo editá-lo logo que possível. Já telefonei para sua casa e deixei recado para que você me contate, pois gostaria que discutíssemos certos projetos que poderemos realizar em comum. Recebeu o meu livro Fernando Pessoa, Salazar e o Estado Novo? Aguardo o seu telefonema.

Dr Antônio Rosa (Lisboa): Fiquei muito sensibilizado com a sua mensagem de 18 de outubro passado e já sabia do êxito da exposição “10 Juristas Pampilhosenses: cronobiografias e objetos”. Agradeço todo o apoio que puder proporcionar-nos (a mim e ao professor Nuno Mata), acerca do projeto em curso de homenagem a Monsenhor A. Nunes Pereira o grande intelectual e artista da nossa Beira Serra. Estou preparando um artigo sobre os artistas plásticos da região, incluindo o pintor e dinamizador cultural Guilherme Felipe, além de muitos outros artistas que tanto honraram Portugal e estão ficando esquecidos.

Cyro de Mattos (Bahia): Fiquei muito feliz com o seu reencontro carta de 17 de outubro e com a notícia de que um de seus livros foi publicado na Alemanha quando puder mande-nos mais notícias sobre os seus trabalhos, pois os publicaremos com muita honra e satisfação.

Jornalista Fernanda Leitão (Canadá): Fiquei muito sensibilizado com o artigo “São Nuno de Santa Maria”, de José Campos de Souza, de quem me considero admirador e amigo, embora não o conheça pessoalmente. Mas comungo com os seus ideais de portugalidade, que você, Fernanda Leitão, tanto tem prestigiado no Canadá. Vá mandando colaboração para os nossos blogs e nós usaremos os seus textos sempre que eles se adaptem ao nosso espaço.

Escritora Isabel Gouveia (Caldas da Rainha - Portugal): Muito grato pelos dois artigos que me enviou: “O Mito da Liberdade de Expressão”, sairá no Blog de Novembro da revista “Lusofonia” e o outro texto deverá ser divulgado na edição de dezembro.

A sua colaboração muito nos honra, pois a Isabel Gouveia merece um lugar de destaque na Literatura Portuguesa Contemporânea.

Vá dando sempre notícias e artigos!

Dona Mafalda Ferro (Lisboa): Agradeço muito a sua mensagem de 02 de novembro, assim como as duas fotografias da viagem de seu Pai, o grande escritor Antônio Quadros, quando esteve em São Paulo.

Vou fazer o texto que me solicitou sobre os contatos que durante anos mantive com o seu Pai, de quem guardo a maior admiração literária e as melhores lembranças.

Pedro Miguel Almeida (São Paulo): Creio que o meio mais fácil de obter a cópia do meu artigo sobre o Capitão Henrique Galvão, em O Estado de S. Paulo, será obtê-la no arquivo do jornal, pois neste momento não consigo encontrar nenhuma. E agradeço muito o seu interesse pelo Cap. Galvão, de quem fui amigo no "Estado”.

O nosso Blog fica aberto a sua colaboração sobre quaisquer temas sobre os oito países de Língua Portuguesa.

Edmundo F. Corrêa (São Paulo?): Não tenho condições de interferir no jornal que você cita, mas poderá, se assim o quiser, enviar-nos um texto seu com cerca de 20 linhas, assinado e explicando o projeto da “Marcha Mundial pela Paz e pela Não Violência” iniciativa da organização internacional do “Mundo Sem Guerras”.

Adelto Gonçalves (de Marília?): Agradeço a colaboração que nos tem enviado e deveremos divulgar o artigo que escreveu sobre o professor e escritor Leodegário, a quem as Culturas Portuguesa e Brasileira tanto devem.

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Peço desculpa aos leitores amigos pela brevidade das minhas respostas, mas, não queria deixar de acusar o recebimento das mensagens que tão gentilmente me enviaram. A todos muito obrigado.

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Em tempo, responderei aos amigos e leitores que me contataram e, agradeço as comunicações de Beatriz Alcântara, Clarisse Barata Sanches (de Góis), Prof. J. Chris Christello (Santa Catarina?), Carlos Henrique Machado de Freitas (sobre “Cultura e Mercado”), Maria Clélia Lima Hernandes (sobre a Língua Portuguesa), William Lemos da Silva (revista “Comunidades de Língua Portuguesa”), Afonso Alves Francisco (em Brasília), Lina Alves Madeira (Montemor-o-Velho) e outros amigos.

Até breve!

João Alves das Neves

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Carta do Brasil: LULA DIZ QUE A CRISE ESTÁ QUASE DOMINADA

O ministro da Fazenda do Brasil, Guido Mantega, anunciou há dias em São Paulo que a economia brasileira poderá crescer 6 a 6,5% nos anos de 2010 a 2016 – o que é uma boa notícia, se as previsões forem confirmadas.

Entretanto, nas suas freqüentes andanças pelo mundo, o Presidente Lula considera que a crise econômico-financeira está a ser superada pelo seu País e que tudo indica um desenvolvimento positivo cada vez mais firme. Baseiam-se, em boa parte nas reações positivas dos seus principais interlocutores, com relevo para os laudatórios presidentes dos Estados Unidos e da França, embora seja evidente que os elogios não resolvem os problemas, por mais agradáveis que possam ser.

O outro lado do problema é que a produção brasileira tem avançado sem parar – isto é, enquanto não chegou à crise global que abaloou o mundo inteiro. Mas até neste domínio as dificuldades estão as decrescer, embora os seus grandes parceiros comerciais condicionem as suas compras: os Estados Unidos, por exemplo.. são cada vez mais protecionistas e discutem o aumento dos tributos sobre as suas importações - o que poderia traduzir-se, em relação ao Brasil. Por uma redução de cerca de US$ 5 bilhões por ano, perda que talvez se acentue ainda mais se a União Européia diminuir também as suas compras.

É certo que somente nalguns sectores o Brasil poderá ombrear com a indústria dos países mais desenvolvidos. Mas a compensação é que o país se tem destacado, sobretudo, nas exportações de gêneros alimentícios, assumindo uma situação relevante, na medida em que passou a ser um dos maiores exportadores mundiais de alimentos, conforme documentam as vendas de soja, carne, frutas, etc. E garante uma boa qualidade e preços acessíveis.

Na verdade, o Brasil passou a ser nos últimos anos credor – a sua balança comercial de 2008 somou a exportação de US$137.470 milhões, enquanto as importações foram de apenas US$95.885 milhões. Um saldo confortável para qualquer país em fase de desenvolvimento. E é claro que a queda do dólar tem contribuído para melhorar o consumo interno dos remediados e pobres, mas desanimou os exportadores, porque estes, vendendo mais, estão a receber (quantitativamente) menos moeda estrangeira...

Aliás, o crescimento das exportações também se explica pela estabilidade econômica do Brasil. E o que os atuais governantes não confessam explicitamente que a estabilização foi possível porque o advento da nova moeda garantiu não só o Real, mas também acabou na prática com a inflação. O papel relevante do governo do Presidente Lula foi continuar a política anti-inflacionária e, por conseguinte, fortalecer a moeda nacional, estabilizando os preços e incentivando as exportações. E com esta política o Brasil está vencendo a crise internacional!

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Cartas de Lisboa: LEITURAS DE FÉRIAS

Entre os livros que tivemos a oportunidade de ler ou pelo menos consulsar durante as últimas férias em Portugal, devemos salientar os que mais nos despertaram a atenção, embora sem espírito crítico, ainda que possamos fazê-lo mais tarde. Aliás, não há críticos literários, como antigamente...

Por agora, limitamo-nos a alguns comentários breves, pois os jornais diário, salvo raras excepções, não vão muito além das notas simples dos editores, que resumem os livros, bem pouco adiantando sobre as obras, a não ser quando se trata do nobelizado Saramago onpsu de um ou outro amigo. É certo que se perderam anos demais com os cortes parciais ou totais dos censores que nada tinham a ver com o que acontecia em Portugal e no Mundo.

É verdade que se multiplicaram os caminhos de acesso: podemos comprar sem medo qualquer jornal ou livro e ninguém nos o acesso a outras vias, nomeadamente através da Internet, apesar das falsidades que transmite sem interrupção. Mas que fazer senão aceitar o novo mundo em rodagem - até onde e até quando? Pois temos de o enfrentar, com os seus milhões de erros, porque tudo vale a pena se a alma não é pequena.

E por aí começamos, abrindo a Fotobiografia de Fernando Pessoa, desta vez com os olhos de Richard Zenith, um pessoano já confirmado em livros anteriores (a primeira Fotobiografia foi de Maria Jo sé de Lancastre, cujo pioneirismo resiste aos anos, desde 1981 e que continua ser exemplar). O norte-americano Zenith percorreu outras rotas, tentando redefinir o Homem e o seu intimismo com Lisboa (“seu lar”), o tropicalismo que descobriu em Durban e as reacções que o contrariaram em Portugal, o vivenciador do Modernismo, com os seus companheiros orfeicos, o caminhante das ruas alfacinhas, o espírito lusíada da visão imperial, o Desassossego dos poetas sonhadores e a entrada na Eternidade de onde nunca mais sairá.

Assim o confirma a Mensagem relida há meses por José Sinde Filipe e musicada por Laurent Filipe ou a outra “mensagem à beira-mágoa”, revisitada (mais do que uma segunda vez?) por José Campos e Sousa. Assim, tudo vale a pena, sem as provocações confusas e culturalmente falsas dos “marketistas” que se fazem passar por génios da Literatura. De resto, Lisboa e seus mais longínquos arredores estão cheios dos copiadores da poesia, da política.

Menos do que seria necessário, as livrarias apresentam vários estudos sérios em torno daquele que foi – é e será – “o Imperador da Língua Portuguesa” e eles voltaremos quando acabarmos de ler O Santo Condestável D. Nuno Álvares Pereira (da autoria de José Carvalho), e da Vida e Obra de Dom Nuno Álvares Pereira (da escritora inglesa G. Leslie Baker). Entretanto, o grande herói de Portugal, que tanto interesse despertou ao historiador Oliveira Martins), merece a atenção dos nossos ensaístas contemporâneos.

Ê claro que outros livros de História, Artes e Letras Portuguesas foram editados recentemente e exigem a nossa atenção – e alguns deles mencionaremos, quando for possível. Entretanto, procurámos com insistência obras dos autores da Província (com relevo para a Beira-Serra), mas não pudemos ir muito além do Livro Comemorativo do 75º. Aniversário da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários Argus (de A.C. Quaresma Ventura e de Regina Anacleto). Não obstante, há um registro significativo que desde já se impõe - o da excelente monografia sobre Tabua / História, Arte e Memória, de Marco Daniel Duarte, editado pela Câmara Municipal de Tábua, com 657 págs. 2009 e boa apresentação gráfica. Por isso, voltaremos ao tema.

(*) Os últimos livros de João Alvas das Neves foram o Dicionário de Autores da Beira-Serr (Ed. Dinalivro, Lisboa, 2008) e Fernando Pessoa, Salazar e o Estado Novo (ed. Fabricando Idéias, S]ao Paulo. 2009)

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Movimento Regionalista: Um livro da Sociologa Maria Beatriz Rocha-Trindade

Depois de se ter notabilizado como pesquisadora dos problemas da Diáspora Portuguesa através do Mundo, a Profª. Drª. Maria Beatriz da Rocha-Trindade, que dirige o Centro de Estudos das Migrações e das Relações Interculturais (CEMRI) da Universidade Aberta de Portugal, vai lançar o livro A Serra e a Cidade (O triângulo dourado do Regionalismo).

Quer dizer, chega o estudo que faltava, embora não sejam de menosprezar os vários livros já publicados sobre o Movimento Regionalista em Arganil, Pampilhosa da Serra e Góis. No entanto, a documentação reunida pela autorizada ensaísta da nossa Emigração é pormenorizada, fundamentada e cientificamente interpretada. Afinal, as questões da Diáspora e do Regionalismo cruzam-se freqüentemente, conforme observou a autora no decurso de duas dezenas de anos de investigações na Imprensa e em numerosos depoimentos e acções que pôde acompanhar. .

A primeira parte do estudo que tivemos o privilégio de ler antes da publicação destaca “A Serra” – vistas e perspectivas da desertificação, referindo a seguir, entre outras questões, as aldeias dos 3 concelhos, além de analisar a “História da migração interna” e o Regionalismo das Gentes da Serra, “Associativismo Regionalista” , os eventos regionalistas, financiamento da actividade regionalista, “Os caminhos do sucesso e a construção da notoriedade”, “Novas imagens da Serra”: evolução e funcionalidade das estruturas associativas, o problema da Regionalização e do Regionalismo, o futuro do Regionalismo e, baseando-se em documentos (com vasta bibliografia) o dia a dia de um movimento que teve como pontos fulcrais as comissões, ligas e uniões de melhoramentos, etc. Releva as actividades em Lisboa da Casa da Comarca de Arganil e das Casas dos Conselhos da Pampilhosa da Serra e de Góis.

E é ao falar do Movimento Regionalista que a escritora Maria Beatriz Rocha-Trindade sinalisa o futuro: após as obras realizadas, a partir da 2ªdécada do século XX, acrescenta: “Aquilo que no passado poderia por algumas pessoas ser considerado apenas como acessório ou lateral passou a ter duas funções principais, nitidamente Diferentes uma da outra: por um lado, visar a melhoria da qualidade de vida dos mais idosos, quer os residentes nas aldeias quer aqueles que a elas regressarão após a reforma; por outro, criar atractivos às populações mais jovens, tanto os residentes como os visitantes por ocasião de férias, além de proporcionar às crianças e jovens o gosto de estar na terra dos seus ascendentes.”

Não menos significativas são as interpretações sobre o Regionalização e o Regionalismo: “A criação (ou não) de Regiões Administrativas (…) foi submetida a referendo em 1998 e, nesse processo, foi rejeitada”. E diz ainda: “O conceito de Regionalismo, pelo contrário, nada tem a ver com a criação de Regiões Administrativas ou com a organização dos poderes do Estado. É (…) um sentimento que resulta da iniciativa da sociedade civil, logo de natureza estritamente não-governamental.”

É muito valiosa a contribuição da Profª. Drª. Maria Beatriz Rocha-Trindade ao salientar a importância do Movimento Regionalista dos 3 concelhos, até porque não tem similar em Portugal, nem sequer nos outros municípios da Beira-Serra, embora se trate de uma área empobrecida e em fase de desertificação, mas, por isso mesmo, não deve ser ignorada pelos poderes públicos, antes pelo contrário. Porém, essa é outra história… e vamos limitar-nos, por agora, ao registo das informações reunidas pela autora de A Serra e a Cidade, sublinhando que, salvo erro, somente no município de Arganil existem 59 entidades regionalistas, outras 48 em Góis e 63 na Pampilhosa da Serra. O total é impressionante: 170 associações regionalistas!

A estudiosa oferece dados sobre as datas de fundação: 3 no período da I República, 4 nos anos da ditadura militar (1926-1930) e na época do Estado Novo foram implantadas mais 42 associações e mais 4 (no período de 1960 a 1974), além de outras 6 após 1974. Aliás, os governantes de ontem e de hoje pouco se têm empenhado pelo progresso das vilas e aldeias. Infelizmente, não dispomos dos dados que permitam identificar os gastos governamentais nos anos ditatoriais e depois de 1974.

No capítulo da “Construção e Notoriedade”, a Directora do Centro de Estudos das Migrações e das Relações Interculturais da Universidade Aberta aponta, “entre os filhos da Serra”, o Professor António Nogueira Gonçalves, que tanto contribuiu para prestigiar os intelectuais da Beira-Serra, mas certamente que o tempo e o espaço não lhe permitiram enumerar os inúmeros Mestres Universitários oriundos da Beira-Serra (são em torno da cinquentena desses Beirões que constam da Memória Professorum Universatatis Conimbrigensis de 1290 a 1937).

A autora do livro A Serra e a Cidade cita também entre os estadistas ligados à região o Prof. Dr. Marcello Caetano e na lista poderiam figurar José Dias Ferreira, António José de Almeida e outros, ao passo que na Literatura jamais poderão ser omitidos Brás Garcia Mascarenhas, Visconde de Sanches de Frias, José Simões Dias, António Francisco Barata, Alberto da Veiga Simões e o historiador António Gonçalves Matoso (e seu filho José Matoso), merecendo ser ainda lembrados, entre os contemporâneos, a-par dos pintores Guilherme Filipe e Augusto Nunes Pereira, os escritores António de Vasconcelos e José V. de Pina Martins, ao lado do poeta Vasco de Campos. E o poeta D. Luís da Silveira com mais de duas dezenas de poesias seleccionadas por Garcia de Resende para o Cancioneiro Geral?

Como figura ímpar da Religião é mencionado D. Eurico Dias Nogueira, Arcebispo Eméritode Braga e escritor de grandes recursos; de resto, mais uma dezena de Bispos “da terra”poderiam ser apontados em Arganil (já biografamos 6 deles), de Seia e de outros municípios da nossa Serra, bem como alguns intelectuais, cientistas e artistas que nasceram ou estiveram ligados à região (o Dicionário de Autores da Beira-Serra inclui perto de 300 verbetes!)

Por tudo isto se deduz que será necessário consultar, futuramente, A Serra e a Cidade, de Maria Beatriz Rocha-Trindade, que nos oferece uma ampla visão do Movimento Regionalista nos Municípios de Arganil, Góis e Pampilhosa da Serra.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

O Sebastianismo do Conselheiro


Os paralelos que possam estabelecer-se entre a série de textos jornalísticos e Os Sertões são evidentes, apesar de haver pormenores do repórter que não foram repetidos na obra literária – um dos mais importantes clássicos das Letras Brasileiras.


A reportagem não entro, porém, na análise da influência que Antonio Conselheiro recebeu, inequivocamente, do Sebastianismo , que pairou igualmente sobre outros místicos brasileiros (um estudo que ainda não se fez, apesar de numerosas aproximações, tanto no Brasil como em Portugal). No entanto, o escritor de Os Sertões fala claramente desse misticismo que tão profundamente é guardado pelo espírito lusíada.

Euclides da Cunha comenta essa ligação dos dois povos atlânticos e documenta-a expressicamente no seu livro principal:


“E no meio desse extravagante adoidado, rompendo dentre o messianismo religioso, o messianismo da raça levando-o `insurreição contra a forma republicana:

Em verdade vos digo, quando as nações brigam com as nações, o Brazil com o Brazil, a Inglaterra com a Inglaterra, a Prússia com a Prússia, das ondas do mar D. Sebastião sahirá com todo o seu exército e o restituio em guerra.

"Desde o princípio do mundo que encantou com todo seu exército e o restituio em guerra.

E quando encantou-se afincou a espada na pedra, ella foo até aos copos e elle disse: Adeus mundo!

“Até mil e tantos e dois mil não chegarás!

“Neste dia quando sahir o seu exército tira a todos no fio da espada deste papel da República. O fim desta guerra se acabará na Santa Casa de Roma e o sangue hade ir até á junta grossa…”


Intervém Euclides da Cunha para completar:


“O profetismo tinha, como se vê, na sua boca, o mês,o tom com que despertou em Frigia, avançando para o Ocidente. Anunciava, idêntico, o juízo de Deus, a desgraça dos poderosos, o esmagamento do mundo profano, o reino de mil anos e suas delícias”. E Euclides vai mas longe ao indagar: “Não haverá, com efeito, nisto, um traço superior de judaísmo?”


É com base nas trovas Sebastianistas da época que Euclides reproduz algumas delas:


“Sahiu D. Pedro segundo

Para o reyno de Lisboa

Acabou-se a monarquia

O Brazil ficou atoa!


E atacava os incréus:


Garantidos pela lei

Aquelles malvados estão,

Nós temos a lei de Deus

Elles tem a lei de cão!”


Bem desgaçados são elles

Pra fazerem a eleição

Abatendo a lei de Deus

Suspendendo a lei do cão!”


Casamento vão fazendo

São para o povo illudir

Vão casar o povo todo

No casamento civil.”


E logo cantam os trovadores a pregação de Antonio Conselheiro:


“Dom Sebastião já chegou

E traz muito regimento

Acabando com o civil

E fazendo o casamento!”


“O Anti-Christo nasceu

Para o Brazil governar

Mas ahi está o Conselheiro

P’ra delle nos livrar!”


“Visita vos vem fazer

Nosso El-Rei D. Sebastião

Coitado daquelle pobre

Que estiver na lei do cão!”


A-par da sua permanente pregação, eram distribuídos em toda a parte os tradicionais folhetos de cordel, que ainda hoje circulam pelo Brasil, em especial no Nordeste, versos em que os militantes de Antonio Conselheiro difundiam os seus propósitos. Aliás, outros autores têm estudado o Sebastianismo no Brasil, relevando-se dois romances, a título ilustrativo: Pedra Bonita, romance de José Lins do Rego, e A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta, de Ariano Suassuna, que ficcionou a existência de cinco “Impérios Sebastiânicos” no Brasil, com vários reis, um dos quais foi degolado pelos vassalos que descobriram a farsa, mas nas lutas entre eles morreram cerca de 140 pessoas (em Portugal, também apareceram diversos “Reis D. Sebastião” e alguns acabaram na cadeia ou foram condenados à morte).


Escritores portugueses de mérito estudaram seriamente o problema do Sebastianismo, lembrando-se os nomes do historiador João Lúcio de Azevedo, de Antonio Machado e de António Quadros, devendo figurar também nesta lista o folclorista brasileiro Luís da Câmara Cascudo e a pesquisadora Maria Isaura Pereira de Queiroz, que se pronunciou deste modo: “Anteriormente ao aparecimento de movimentos messiânicos propriamente ditos, existiu no Brasil uma crença proveniente de Portugal, o Sebastianismo, que mais tarde chegou a servir de base para pelo menos dois movimentos (…) – o da Cidade do Paraíso Terrestre e o da Pedra Bonita”.

Porém, o mais ilustre defensor do Sebastianismo foi o Padre António Vieira (a seu modo, é claro), conforme referenciamos no livros Temas Luso-Brasileiros (1963) e Pe. António Vieira, Profeta do Novo Mundo (1, bem como em Congressos e artigos.E oportuno será apontar a breve mas significativa menção de Fernando Pessoa: “À memória de Antonio Conselheiro, bandido, louco e santo, que, no sertão do Brasil, morreu, como um exemplo, com seus companheiros, sem se render, batendo-se todos, últimos Portugueses, pela esperança do Quinto Império e da vinda quando Deus quizesse, de El-Rei D. Sebastião, nosso Senhor, Imperador do Mundo. (in Pessoa Inédito, pref. e org, de Teresa Rita Lopes).

Merece esta citação vir antes do remate final de Euclides da Cunha, n’Os Sertões: “Canudos não se rendeu. Exemplo único em toda a História resistiu até o esgotamento. Expugnado palmo a palmo, na precisão integral do termo,caiu no dia 5, ao entardecer. Quando caíram os seus últimos defensores, que todos morreram; Eram 4 apenas: um velho, dois homens feitos e uma criança, na frente dos quais rugiam raivosamente cinco mil soldados.”

terça-feira, 13 de outubro de 2009

“OS SERTÕES” de Euclides da Cunha e o Sebastianismo de António Conselheiro


Com aproximação do centenário da morte de Euclides da Cunha (19 de Agosto de 1909) impõe-se nova leitura da reportagem de Canudos e do livro Os Sertões.

Recorda-se que a viagem foi realizada por sugestão de Júlio Mesquita, diretor de O Estado de S. Paulo, após a publicação neste jornal dos 2 artigos de Euclides sobre A nossa Vendéia (em 14 de Março e 17 de Julho de 1897), estabelecendo paralelos entre a insurreição dos “vendéanos” (1793 a 1796), que combateram os excessos da Revolução Francesa, reprimindo as atividades religiosas. No caso do Brasil, era o combate republicano aos monarquistas.

Neto do comerciante português Manuel da Cunha e filho do também comerciante Manuel Rodrigues Pimenta da Cunha e de D. Eudóxia Moreira, o futuro militar, engenheiro e escritor nasceu em 20 de Janeiro de 1866 numa fazenda de Cantagalo (Rio de Janeiro) e morreu em Piedade (RJ) no dia 15 de Agosto de 1909, mas foi com os artigos comparando os acontecimentos da Vendéia e de Canudos (no Vale do Iripiranga ou Vaza-Barris) que começou verdadeiramente a sua carreira literária.

Euclides salientava que Canudos albergava “a horda dos fanatizados sequazes de Antonio Conselheiro, o mais sério inimigo das forças republicanas” e citava a Vendéia, acrescentando: “A mesma coragem bárbara e singular e o mesmo terreno impraticável aliaram-se, completaram-se. O chouan fervorosamente crente (dos vendeanos) ou o tabaréu fanático, precipitando-se impávido à boca dos canhões que tomam a pulso, patenteiam o mesmo heroismo mórbido numa agitação desordenada e impulsiva de hipnotizados”.

No 2º. artigo, Euclides comenta a “notícia do lamentável desastre” sofrido pelos militares que haviam enfrentado “a horda dos fanatizados sequazes de Antonio Conselheiro” e compara o “desastre” aos suportados pela Inglaterra, França e Itália ou pela Espanha no combate aos insurretos de suas colônias, no início do século XIX e aguardava \a vitória das tropas da República, “quando forem desbaratadas as hordas fanáticas do Conselheiro. Não foi tanto assim… mas as informações de Euclides levaram Júlio Mesquita a convencê-lo a fazer a reportagem sobre o fenômeno de Canudos e no dia 7 de Agosto de 1897 ele escrevia a primeira crônica, ainda a bordo do vapor “Espírito Santo”, pelo qual chegara a Salvador (“O Estado”, 18-8-1897). E mais uma trintena de crônicas seriam divulgadas, a última das quais sob o título de “O Batalhão de São Paulo” (26-10-1897).

Em 10 de Agosto, o repórter escrevia de Salvador: “A opinião geral, entre os combatentes que voltam, é que estamos no epílogo da luta.” E em 12 de Agosto falava do regresso dos feridos, dando outros pormenores dos combate e em 13, 15, 16, 18, 19, 20 e 21. Somente em 1º. de Setembro seguiu para a “frente” do conflito, informando de Queimadas: “o dia esgota-se em preparativos de viagem”, mas voltou a escrever da mesma povoação no dia 4 e, no mesmo dia, enviou carta já de Tanquinhos. A 5 deu notícias de Cansação e, nesse dia, escreve de Quirinquinquá e, em 6, 7, 8, 9, 10 e 11 de Monte Santo, dizendo que no dia 10 já avistara “o imenso arraial de Canudos”, sublinhando: “Dois meses de bombardeio permanente não lhe destruiram a metade sequer das casas (…) E olha-se para a aldeia enorme e não se lobriga um único habitante.”

A narrativa prosseguiu em 24, 26 e 27 e adiantou que nesta última madrugada a fuzilaria tinha durado 2 horas e meia, adiantando que desde as 9 da noite houvera mais tiroteio até às 9 da manhã seguinte. No dia 29 de Setembro, mais tiros. E em 1º. de Outubro ‘”foi ordenado o assalto” às posições do Conselheiro, esclarecendo: “A noite desceu serenamente sobre a região perturbada do combate e rasgando o seio da noite, caindo, insistentes, sobre todos os pontos da linha do cerco, sibilando em todos os tons, sobre o acampamento, inúmeras, constantes, da zona reduzida em que se encontravam os jagunços, irrompiam as balas”. E com estas palavras Euclides da Cunha fecha a reportagem.

Bibliografia Euclidiana:

Os Sertões (1902), Relatório da Comissão Mista Brasileiro-Peruana de Reconhecimento do Rio Purus (1906), Castro Alves e seu Tempo (1907), Peru versus Bolívia (1907), Contrastes e Confrontos (1907), À Margem da História (1908), Canudos (Diário de uma Expedição, 1939), Discurso de Recepção na Academia Brasileira de Letras (em Obras Completas, 1966).

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

A BENEFICÊNCIA E AS MISERICÓRDIAS PELOS POETAS – Parte II

Não menos significativo é o poema de Paulo Bomfim, intitulado No Quinto Centenário da Santa Casa de Misericórdia de Lisboa que está na gênese das Beneficências Portuguesas (há uma edição do Centro de Estudos Fernando Pessoa), relacionando o texto com as Casas da Rainha D. Leonor de Portugal.Lembrando essa afinidade, a Real e Benemérita Associação Portuguesa de Beneficência de São Paulo mandou restaurar e colocar um medalhão de mármore, no jardim de entrada da entidade e que tem a seguinte inscrição:

Nossa Senhora da Misericórdia.

Escultura de 1876, restaurada

em 1998, ano do 500º aniversário

de fundação das

Santas Casas de Misericórdia.


Reproduz-se também nesta edição o poema de Paulo Bomfim:

E houve uma Santa Isabel

Semeando rosas no mar.

E um D. Diniz trovador

Transformando seu trovar

Nas flores que o verde pinho

Fez um dia navegar!


E houve naus e houve tormentas

Nos reinos do mar profundo,

E descobertas singrando

O olhar de D. João Segundo!

Senhora Dona Leonor

Coberta de ouro e prata,

De vosso gesto nasceu

A gesta-misericórdia

Em terras de Portugal!

Em vosso real regaço

A pedra da compaixão,

A telha da caridade,

A madeira do socorro

E as argamassas da prece,

Fizeram surgir de agosto

A Santa Casa, asa santa

Subindo aos céus de Lisboa

Na oração de Frei Miguel!

Cinco séculos passaram,

Cinco séculos presentes

Nesse milagre de amor

Que de uma Casa fez tantas

Casas Santas, Santas Casas!

E houve uma Santa Isabel

Semeando rosas aos ventos,

E houve Dona Leonor

Plasmando as Misericórdias

Em seu reino à beira mar!

E essas rosas e essas bênçãos

Hoje são alma e são corpo:

- Santa Casa de São Paulo,

Misericordiosamente,

Santa Casa do Brasil!

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

A BENEFICÊNCIA E AS MISERICÓRDIAS PELOS POETAS – Parte I


No decorrer das comemorações, em 1959, do 1º centenário da Real e Benemérita Associação Portuguesa de Beneficência de São Paulo foram muitas e variadas as homenagens da Imprensa, das Autoridades Portuguesas e Brasileiras e até de alguns Escritores à instituição fundada em 2 de outubro de 1859.

Destacamos, entre essas homenagens a de Judas Isgorota, consagrado Autor Paulista, que publicou, na oportunidade, o “Poema Todo de Ouro”, transcrito a seguir:


Cinzelando o ouro velho, ouro de lei, maciço,

da mais augusta tradição coimbrã,

eu quis fazer uns áureos versos. Um poema

todo de ouro, em que, desde a palavra fúlgida,

à existência formal, desde o ritmo à essência,

tudo fosse moral e exemplarmente belo.


Um poema que lembrasse um lavor de Cellini

e tivesse em seu bojo, resplendente,

o pensamento de ouro

dos versos áureos que escreveu Pitágoras um dia.

Eu queria, porém, que esses meus versos áureos

dirigidos aos homens de manhã,

falassem da Beleza ideal dos crentes e dos simples

em sua exaltação à perfeição excelsa,

que é o Bem, o Amor, a Fé, a piedade cristã.


Para tanto busquei a história de três jovens

pobres e serviçais que viveram aqui.

A história se passou precisamente há um século.

São Paulo começava a descer o planalto

para ao depois transpor o Tamanduateí…

Eram eles: Luiz Semeão Ferreira Viana,

o segundo: Joaquim Rodrigues Salazar,

e o terceiro, Miguel Gonçalves Reis.


Os dois caixeiros, aprendizes de caixeiro;

Charuteiro modesto era o Gonçalves;

pobres, humildes, serviçais todos os três…

Tão simples, tão modestos, afinal,

que apenas se guardou de sua origem

terem nascido em Portugal…


Corações feitos de ouro,

almas feitas de luz, dessa luz que é bondade,

compreensão, amor, ternura humana;

dessa luz que ilumina as manjedouras puras;

os três jovens, sentindo as privações, as dores,

a vida ingrata e hostil de seus irmãos

na cidade que fora o seu sonho e que entanto

nada podia dar aos seus concidadãos;

os três, numa divina inspiração lançaram

a semente ideal!


E assim surgiu, precisamente há um século,

pobre, humilde e pequenino,

hoje monumental,

esse marco de glórias, que assinala

em terras de São Paulo a alma de Portugal:


- a Sociedade de Beneficência,

pela mais pura origem – Portuguesa:

pelos mais belos feitos – Benemérita:

pelos mais altos títulos – Real!


Eu quis fazer uns versos áureos. Um poema

da forma à essência feita de ouro em pó.

Não o fiz, pois que de ouro só o exemplo

puder dar-vos dos três:

de Luiz Semeão Ferreira Viana,

de Joaquim Rodrigues Salazar

e de Miguel Gonçalves Reis…


Não fiz que o desejar; por ser humano,

é tão precário, que dá dó…

Guardai, porém, o exemplo desses jovens,

que esse exemplo é de ouro, e ouro só!