Os paralelos que possam estabelecer-se entre a série de textos jornalísticos e Os Sertões são evidentes, apesar de haver pormenores do repórter que não foram repetidos na obra literária – um dos mais importantes clássicos das Letras Brasileiras.
A reportagem não entro, porém, na análise da influência que Antonio Conselheiro recebeu, inequivocamente, do Sebastianismo , que pairou igualmente sobre outros místicos brasileiros (um estudo que ainda não se fez, apesar de numerosas aproximações, tanto no Brasil como em Portugal). No entanto, o escritor de Os Sertões fala claramente desse misticismo que tão profundamente é guardado pelo espírito lusíada.
Euclides da Cunha comenta essa ligação dos dois povos atlânticos e documenta-a expressicamente no seu livro principal:
“E no meio desse extravagante adoidado, rompendo dentre o messianismo religioso, o messianismo da raça levando-o `insurreição contra a forma republicana:
“Em verdade vos digo, quando as nações brigam com as nações, o Brazil com o Brazil, a Inglaterra com a Inglaterra, a Prússia com a Prússia, das ondas do mar D. Sebastião sahirá com todo o seu exército e o restituio em guerra.
"Desde o princípio do mundo que encantou com todo seu exército e o restituio em guerra.
“E quando encantou-se afincou a espada na pedra, ella foo até aos copos e elle disse: Adeus mundo!
“Até mil e tantos e dois mil não chegarás!
“Neste dia quando sahir o seu exército tira a todos no fio da espada deste papel da República. O fim desta guerra se acabará na Santa Casa de Roma e o sangue hade ir até á junta grossa…”
Intervém Euclides da Cunha para completar:
“O profetismo tinha, como se vê, na sua boca, o mês,o tom com que despertou em Frigia, avançando para o Ocidente. Anunciava, idêntico, o juízo de Deus, a desgraça dos poderosos, o esmagamento do mundo profano, o reino de mil anos e suas delícias”. E Euclides vai mas longe ao indagar: “Não haverá, com efeito, nisto, um traço superior de judaísmo?”
É com base nas trovas Sebastianistas da época que Euclides reproduz algumas delas:
“Sahiu D. Pedro segundo
Para o reyno de Lisboa
Acabou-se a monarquia
O Brazil ficou atoa!
E atacava os incréus:
“Garantidos pela lei
Aquelles malvados estão,
Nós temos a lei de Deus
Elles tem a lei de cão!”
“Bem desgaçados são elles
Pra fazerem a eleição
Abatendo a lei de Deus
Suspendendo a lei do cão!”
“Casamento vão fazendo
São para o povo illudir
Vão casar o povo todo
No casamento civil.”
E logo cantam os trovadores a pregação de Antonio Conselheiro:
“Dom Sebastião já chegou
E traz muito regimento
Acabando com o civil
E fazendo o casamento!”
“O Anti-Christo nasceu
Para o Brazil governar
Mas ahi está o Conselheiro
P’ra delle nos livrar!”
“Visita vos vem fazer
Nosso El-Rei D. Sebastião
Coitado daquelle pobre
Que estiver na lei do cão!”
A-par da sua permanente pregação, eram distribuídos em toda a parte os tradicionais folhetos de cordel, que ainda hoje circulam pelo Brasil, em especial no Nordeste, versos em que os militantes de Antonio Conselheiro difundiam os seus propósitos. Aliás, outros autores têm estudado o Sebastianismo no Brasil, relevando-se dois romances, a título ilustrativo: Pedra Bonita, romance de José Lins do Rego, e A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta, de Ariano Suassuna, que ficcionou a existência de cinco “Impérios Sebastiânicos” no Brasil, com vários reis, um dos quais foi degolado pelos vassalos que descobriram a farsa, mas nas lutas entre eles morreram cerca de 140 pessoas (em Portugal, também apareceram diversos “Reis D. Sebastião” e alguns acabaram na cadeia ou foram condenados à morte).
Escritores portugueses de mérito estudaram seriamente o problema do Sebastianismo, lembrando-se os nomes do historiador João Lúcio de Azevedo, de Antonio Machado e de António Quadros, devendo figurar também nesta lista o folclorista brasileiro Luís da Câmara Cascudo e a pesquisadora Maria Isaura Pereira de Queiroz, que se pronunciou deste modo: “Anteriormente ao aparecimento de movimentos messiânicos propriamente ditos, existiu no Brasil uma crença proveniente de Portugal, o Sebastianismo, que mais tarde chegou a servir de base para pelo menos dois movimentos (…) – o da Cidade do Paraíso Terrestre e o da Pedra Bonita”.
Porém, o mais ilustre defensor do Sebastianismo foi o Padre António Vieira (a seu modo, é claro), conforme referenciamos no livros Temas Luso-Brasileiros (1963) e Pe. António Vieira, Profeta do Novo Mundo (1, bem como em Congressos e artigos.E oportuno será apontar a breve mas significativa menção de Fernando Pessoa: “À memória de Antonio Conselheiro, bandido, louco e santo, que, no sertão do Brasil, morreu, como um exemplo, com seus companheiros, sem se render, batendo-se todos, últimos Portugueses, pela esperança do Quinto Império e da vinda quando Deus quizesse, de El-Rei D. Sebastião, nosso Senhor, Imperador do Mundo. (in Pessoa Inédito, pref. e org, de Teresa Rita Lopes).
Merece esta citação vir antes do remate final de Euclides da Cunha, n’Os Sertões: “Canudos não se rendeu. Exemplo único em toda a História resistiu até o esgotamento. Expugnado palmo a palmo, na precisão integral do termo,caiu no dia 5, ao entardecer. Quando caíram os seus últimos defensores, que todos morreram; Eram 4 apenas: um velho, dois homens feitos e uma criança, na frente dos quais rugiam raivosamente cinco mil soldados.”
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