quarta-feira, 28 de julho de 2010

A visão plural e política de Fernando Pessoa

Por Vera Helena Amatti

A oportuna visita de Teresa Rita Lopes a São Paulo é um presente a todos os admiradores e pesquisadores da obra e da vida de Fernando Pessoa. Professora da Universidade Nova de Lisboa, a prof.a Teresa é hoje a maior autoridade mundial no concerne ao poeta português, fiel depositária dos mais de 27 mil papers deixados pelo autor, mais da metade deles ainda inéditos.

Convidada pelo Clube Português para abrilhantar as comemorações de 90 anos da instituição, Teresa Rita presidiu a mesa-redonda no dia 21 de julho, que teve como debatedores a escritora e pesquisadora prof.a Beatriz Alcântara, de Fortaleza, Ceará, Carlos Felipe Moisés, crítico literário e professor da Universidade São Marcos, e o prof. João Alves das Neves, jornalista, autor de seis livros sobre Fernando Pessoa e atual diretor cultural do Clube Português. O último deles, lançado no mesmo evento, “Fernando Pessoa, Salazar e o Estado Novo” (Ed. Fabricando Idéias, Sto André-SP), merece resenha à parte, dada a relevância da publicação.

Acertadamente, os debates abarcaram de forma ampla as várias perspectivas que Fernando Pessoa vislumbrou em seu tempo, ao desfazer os equívocos provocados pela torrente de informações na mídia que raramente passam pelos filtros especializados. Dono de uma visão plural justificada por seus inúmeros heterônimos, segundo a prof.a Teresa, Pessoa foi um crítico ácido e sutil do Salazarismo, do Liberalismo e do conservadorismo português. Seu aparente silêncio no cenário político da época modernista, em verdade é a agitação de idéias que perpassa sua obra.

As confusões ocorem pricipalmente em decorrência da terminologia “Nacionalismo”, que Teresa Rita fez questão de definir a um e outro: se Salazar adotou concepção datada do termo, as raízes do Nacionalismo de Fernando Pessoa ortônimo remontam ao Quinto Império de Vieira e Bandarra, citados e cantados em sua obra “Mensagem”. Para Teresa Rita Lopes, embora muitos tenham especulado sobre a natureza do objeto do Quinto Império de Pessoa – pois sabemos que o de Vieira era o Império de Cristo na Terra – o mais provável é que este seria a própria Língua Portuguesa, bastião e missão a ser levada a cabo pelos portugueses e por todos os falantes lusófonos.

Sob os auspícios das vanguardas Européias, sobretudo do Futurismo italiano de Marinetti, presente no heterônimo Álvaro de Campos, Pessoa faz o jogo de aproximação – nos aspectos formais - e distanciamento – nos políticos -, em uma atitude classificada por Teresa como “canibal”, em contraponto à “antropofagia” brasileira.

Carlos Felipe Moisés acrescentou outro viés político importante à obra pessoana, o humor. Por meio de uma coletânea de pensamentos e máximas de autoria de Pessoa, Moisés argumentou que seria essa também uma maneira de o poeta expressar sua indignação com o pensamento vigente na Europa do início do século 20, ainda sob a influência liberal da Revolução Francesa. Em uma das frases citadas por Moisés, Pessoa se mostra particularmente contraditório, a fim de obter o efeito humorístico:“O que há de mais curioso na célebre divisa ‘Liberdade, Igualdade e Fraternidade’ é que, pondo de parte a palavra Fraternidade cujo conteúdo é nulo, a Igualdade e a Liberdade são incompatíveis”.

Coletânea e cotejo dos pensamentos políticos do poeta certamente ainda demandam mais trabalho de pesquisa e integram um projeto de reconstituição da literatura pessoana, em sentido amplo, que a exemplo do tema escolhido para a comemoração luso-brasileira, revelam mais faces a serem descortinadas.

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