Admirado corvo poeta e ensaísta, poucos dos seus leitores mais entusiastas sabem que Fernando Pessoa se interessou profundamente pelo estudo da economia, conforme revela o seu livro - Textos para dirigentes de Empresas - editado em 1969. Obra muito atual, mas rara e, por isso, quase inédita dado que poucos exemplares devem existir no Brasil.
Acresce que continuam sendo indiscutivelmente válidos e pertinentes os conceitos dos grandes escritor português sobre os problemas econômicos, em geral, e particularmente sobre os dirigentes de empresa. E assim se explica o propósito de com ele dialogarmos, afim de divulgarmos as suas interessantes opiniões acerca daquele tema. Não solicitamos, é evidente, o auxilio de nenhum "medium" nem recorremos tampouco á tradicional mesa pé-de-galo para entrar em contato com Fernando Pessoa, no Além. Mas suas respostas são exatas e foram reproduzidas com fidelidade, esclarecendo, por conseguinte, o pensamento do entrevistado sobre a evolução da economia, ontem e hoje.
João Alves das Neves - A primeira parte do livro publicado em 1969 trata da "doutrina econômica e empresarial" e dai a pergunta: Como diferenciar a teoria da prática no campo da economia?
Fernando Pessoa - Toda a teoria deve ser feita para poder ser posta em prática, e toda a prática deve obedecer a uma teoria. Só os espíritos superficiais desligam a teoria di prática, não olhando a que a teoria não é senão uma teoria da prática, e a prática não é senão a prática de uma teoria. Quem não sabe nada dum assunto, e consegue alguma coisa nele por sorte ou acaso, chama "teórico" a quem sabe mais e, por igual acaso, consegue menos. Quem sabe, mas não sabe aplicar - isto é, quem afinal não sabe, porque não saber aplicar é uma maneira de não saber - tem rancor a quem aplica por instinto, isto é, sem saber que realmente sabe. Mas, em ambos os casos, para o homem são de espírito e equilibrado de inteligência, há uma separação abusiva.
João Alves das Neves - Na esfera tecnológica, qual é a sua opinião sobre a prática, isto é, acerca dos métodos norte-americanos e europeus?
Acresce que continuam sendo indiscutivelmente válidos e pertinentes os conceitos dos grandes escritor português sobre os problemas econômicos, em geral, e particularmente sobre os dirigentes de empresa. E assim se explica o propósito de com ele dialogarmos, afim de divulgarmos as suas interessantes opiniões acerca daquele tema. Não solicitamos, é evidente, o auxilio de nenhum "medium" nem recorremos tampouco á tradicional mesa pé-de-galo para entrar em contato com Fernando Pessoa, no Além. Mas suas respostas são exatas e foram reproduzidas com fidelidade, esclarecendo, por conseguinte, o pensamento do entrevistado sobre a evolução da economia, ontem e hoje.
João Alves das Neves - A primeira parte do livro publicado em 1969 trata da "doutrina econômica e empresarial" e dai a pergunta: Como diferenciar a teoria da prática no campo da economia?
Fernando Pessoa - Toda a teoria deve ser feita para poder ser posta em prática, e toda a prática deve obedecer a uma teoria. Só os espíritos superficiais desligam a teoria di prática, não olhando a que a teoria não é senão uma teoria da prática, e a prática não é senão a prática de uma teoria. Quem não sabe nada dum assunto, e consegue alguma coisa nele por sorte ou acaso, chama "teórico" a quem sabe mais e, por igual acaso, consegue menos. Quem sabe, mas não sabe aplicar - isto é, quem afinal não sabe, porque não saber aplicar é uma maneira de não saber - tem rancor a quem aplica por instinto, isto é, sem saber que realmente sabe. Mas, em ambos os casos, para o homem são de espírito e equilibrado de inteligência, há uma separação abusiva.
João Alves das Neves - Na esfera tecnológica, qual é a sua opinião sobre a prática, isto é, acerca dos métodos norte-americanos e europeus?
Fernando Pessoa - Os americanos, que são quem mais profundamente estuda os problemas técnicos, expõem-nos, muitas vezes, humoristicamente. Levam, até, esse gênero de exposição, em alguns casos, a pontos quase inconcebíveis para nós, europeus, tantas vezes solenemente incompetentes.
João Alves das Neves - Já que falou dos europeus e generalizou, não é verdade que eles também divergem nos métodos, tanto na indústria como no comércio? Ou não serão diferentes os processos de comercialização de cada um desses países?
Fernando Pessoa - O inglês costuma comer os "ovos", a que nós chamamos "quentes", não em copos e partidos, mas em pequenas taças de louça, do feitio de meio ovo, e em que o ovo, portanto, entra até metade; partem a extremidade livre do ovo, e comem-no assim, com uma colher de chá, depois de lhe ter deitado sal e pimenta: Na Índia, colônia britânica, assim se comiam, e naturalmente ainda se comem os ovos "quentes". Como é de supor eram casas inglesas as que, por tradição aparentemente inquebrável, exportam para a Índia as taças para este fim.
Sucedeu, porém, que, alguns anos antes da guerra, as firmas inglesas exportadoras deste artigo notaram que a procura dele na Índia decrescera quase até zero. Estranharam o fato, buscaram saber a causa, e não tardou que descobrissem que estavam sendo batidas por casas exportadoras alemãs, que vendiam idêntico artigo ao mesmo preço.
Se as casas alemãs houvessem entrado no mercado índio com o artigo a preços mais baixos, sem dúvida que os agentes dos exportadores ingleses teriam advertido estes sem demora. Mas, como o preço era igual e a qualidade igual também, não era necessário o aviso; nem houve receio senão quando se verificou que havia razão para mais que receio - isto é, quando se verificou que, nestas condições de duvidosa vantagem para um novo concorrente, o artigo alemão vencera por completo.
Feita a averiguação ansiosa da causa deste mistério, não tardou que se descobrisse. Os ovos das galinhas indianas eram - e naturalmente ainda são - ligeiramente maiores que os das galinhas da Europa, ou, pelo menos, das da Grã-Bretanha. Os fabricantes ingleses exportavam as taças de tipo único que produziam para o consumo doméstico. Essas taças, evidentemente, serviam de um modo imperfeito aos ovos das galinhas da Índia.
Os alemães notaram isto, e fizeram taças ligeiramente maiores, próprias para receber esses ovos. Não tinham que alterar qualidade (podiam até baixá-la), nem que diminuir o preço: tinham certa a vitória por o que em linguagem científica se chama adaptação ao meio. Tinham resolvido da Índia e para si, o problema de comer o ovo de Colombo.
Nota: As respostas de Fernando Pessoa foram reproduzidas integralmente dos seus próprios textos.
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